Sistinas
Umlahi
#49

Umlahi

Quem tem mais culpa? O tentado ou o tentador?

Shakespeare

Estou pensando em fazer a cerimônia do casamento aqui na praia mesmo, mamãe. O que acha? - Lisa disse ao telefone, enquanto acariciava a bola de pelos gorda, branca e preguiçosa que morava no braço do sofá. O gato não se esforçava nem para miar; seus dias de marasmo se resumiam em se lamber, ronronar e dormir. Só deixava o sofá para comer e, em dias calorentos, ir mexer com os peixes no aquário da estante. Lisa amava genuinamente aquele bichano.

-Eu já escolhi meu vestido, mamãe. Aquele azul claro em chiffon que te mostrei. Isso, formato sereia. Ele tem o caimento perfeito, é bem fluído e ressalta meu corpo. Achei muito charmosa aquela sobre-saia.

A senhora resmungou algo do outro lado da linha ao mesmo tempo em que o gato abria a boca sem emitir som. No código bicho-dona, significava "comida".

-Mas mamãe... não faz sentido eu casar de branco. Sei que sonhava com sua filha casando na igreja com um vestido tradicional, mas não vai rolar. Escuta; a senhora vai ficar deslumbrada com ele. Ele é lindo, todo drapeado! - ia andando pela casa de praia, justificando suas escolhas para a mãe, até chegar na vasilha do bichinho. O barulho da ração caindo no plástico atraiu o gato e seu andar moroso.

-Não mamãe, eu ainda não contei pra ele. Estou pensando em contar hoje à noite, fazer alguma surpresa, esquecer o resultado positivo em algum lugar, sabe? É também por isso que não me sinto confortável casando de branco, me entende agora? - ela sorria olhando pro gato, que ainda não tinha chegado na comida por excesso de preguiça ou por falta de fome mesmo.

"Falta de fome" era o que acontecia no seu relacionamento. No aspecto financeiro tudo corria bem: compraram juntos a sonhada casa de praia com piscina e agora estavam perto de casar, mas Patrick não era mais o mesmo amante fogoso da época em que começaram a namorar e isso a deixava preocupada, insegura. Não se sentia mais desejada por ele. A gravidez inesperada só aumentava essa sensação. Em seu íntimo desconfiava que ele queria afastá-la da cidade por algum motivo.

Sua mãe antecipava a lista de convidados do outro lado da linha, mas Lisa estava perdida em pensamentos e desejos, se imaginando de quatro para seu marido na cama. Qual tinha sido a última vez que fora cavalgada por ele mesmo? Queria de volta aquela entrega, aqueles gemidos que evoluíam pra gritos, o suor, a respiração sôfrega... queria chupá-lo. Esse prazer também não lembrava mais. Acordou do devaneio e pigarreou, devia ser até pecado pensar nessas coisas com a mãe no telefone.

-Mamãe, vou desligar. Preciso sair pra comprar comida do gato, vou aproveitar e comprar um bom vinho, uns queijos e patês. Farei algo diferente pra quando o Patrick chegar. Ah, meu vestido chega hoje, mal posso esperar pra prová-lo! Nos falamos depois, tá bom? Mande um beijo pro papai!


O dia de Patrick Spens não tinha sido nada fácil no trabalho e ele só queria esquecer a burocracia burra, o chefe ignorante e seus auxiliares incompetentes. Veio dirigindo pela orla torcendo pra Lisa estar na academia ou fazendo compras, assim poderia pegar uma bermuda, descer até a praia e caminhar sozinho. Não era noite para "Oi amor, como foi seu dia hoje?". Não, definitivamente não era.

Guardou o carro pensando se não era melhor ficar pela piscina mesmo. Lembrou de Lisa dizendo que eles precisavam transar na piscina, "estrear" todos os cômodos da casa pra terem sorte morando naquele lugar. Tirou a chave do contato percebendo que nem naquele carro novo tinham transado ainda. O pensamento ainda o incomodava quando abriu a porta. A casa estava em silêncio e ele não chamou por ela. O cheiro predominante era do desinfetante barato que Lisa usava pra limpar as sujeiras do gato.

Foi até a suíte do casal, já que Lisa costumava estar na banheira naquele horário. Não estava, e ele agradeceu mentalmente. Voltou a andar pela casa. Ignorou o envelope aberto no balcão da cozinha - "Não preciso de mais contas nesse momento" - e pegou uma cerveja long neck na geladeira. No segundo gole percebeu o gato imóvel no braço do sofá e piscou para ele. "Troca de vida comigo, amigão?"

A cerveja não estava tão gelada quanto ele queria, então abandonou a garrafa no balcão. Achou uma bermuda e, enquanto vestia uma camiseta leve, a campainha tocou. "Entrega para senhorita Lisa", disse o rapaz parado à porta. Era uma capa plástica, translúcida, com um volumoso vestido azul dentro. O entregador ameaçou abrir o zíper para mostrar o produto mas ele dispensou o gesto, apressado. "Não, não é necessário. Confio na loja de vocês. Obrigado, boa noite!" - respondeu seco, tomando a embalagem do rapaz, que se retirou. Pendurou o vestido com cuidado, virou-se e saiu. Não precisou ligar, nem deixar bilhete, nada. Ela sabia o quanto ele gostava de caminhar na areia. Levava apenas a chave da casa, já que a orla podia ser perigosa durante a noite. Sistinas era meio esquisita nas horas escuras, na verdade.

Caminhando à beira-mar, Patrick foi se envolvendo com o barulho nervoso das ondas, com o oceano e suas ondulações espumantes encontrando a areia deserta. Nesses momentos pensava nos desbravadores do passado e seus navios, nos perigos além-mar e em toda sorte de criaturas - mitológicas ou não - que eles enfrentaram para descobrir as novas terras. A escuridão começava no ponto exato onde a maré quebrava, dando a sinistra impressão de que algo antigo, selvagem e primitivo habitava naquelas águas. As luzes da orla não iluminavam nada lá, como que sinalizando que a civilização não podia alcançar aquilo.

Descalço, despido de bens e valores, ele resolveu deixar o falso conforto da claridade para trás e andou até que a água turva e fria encontrasse seus pés. O céu tinha poucas estrelas naquela noite, e a lua estava quase toda encoberta. Ainda assim centenas de conchas brancas abandonadas na areia refletiam o luar criando um mosaico interessante, hipnótico. Uma concha específica brilhava, destacando-se mais que as outras ao redor, ele abaixou-se e a pegou. Apesar de aberta estava completa, os dois lados grudados ainda, a brancura interna reluzindo. Ele correu os dedos pela textura, imerso em pensamentos, quando percebeu a presença de alguém vindo pelo escuro à sua frente.

Alarmado, Patrick se esforçou para enxergar a silhueta feminina de formas suaves, emoldurada por um véu de cabelos. Estranhou que o quadril dela não se mexia e nem as pernas, que pareciam unidas. Piscou para se certificar de que aquele movimento antinatural não era causado pela água caliginosa que voltava para o mar após lamber a areia. A ilusão durou apenas um segundo até seus olhos enfim distinguirem as duas pernas se movendo na direção dele. Pernas azuladas... por que alguém estaria no mar nua com uma meia arrastão?

-Quid Sirenes cantare sint solitæ? - várias ondas arrebentaram forte durante a pergunta. Patrick só percebeu que era uma pergunta pela entonação, já que não tinha entendido porra nenhuma. E não era meia arrastão. Do ventre pra baixo a pele da moça era coberta por uma espécie de pintura corporal azulada, com textura bastante vívida lembrando escamas.

-Hã, moça... Essa não é uma praia de nudismo. - ele advertiu, tentando não olhar diretamente para os belos seios que teimavam em aparecer por entre os cabelos soltos enquanto ela caminhava.

Ela pensou um pouco, esticou e girou a mão direita para ele, mexendo os dedos como se pedisse por mais palavras. Tinha no antebraço uma tatuagem delicada e colorida de uma sereia segurando uma concha.

-Essa praia... não é de nudismo... me entende? - ele falou, pausadamente, para a beleza hipnótica que se aproximava.

-Ah, linguagem... - apesar da pronúncia esquista, a voz da moça era mais linda e chamativa que suas formas. Uma estrangeira? Patrick sentiu-se meio bobo por ter falado tão devagar. Também sentiu-se rude por estar vestido na presença dela, que exalava tanta naturalidade em sua nudez.

-Você é turista? De onde você é? - perguntou, recomposto da estranheza da situação. Tomou coragem para olhar a mulher por inteiro. Era uma beleza simples e jovial, com cabelos ornados e trançados guarnecendo o rosto deslumbrante, onde faiscava o olhar mais penetrante que já tinha sentido.

-Sou de vários mares, vários lugares. Do Orinoco ao mar Amarelo na China, de Oea dos fenícios à Bissau, Palau e Avalon. Mergulhei em Fiji, Tiree e nas ilhas de Ébano. Fui do Peru à Cebu. Da Babilônia e Bali a Santiago de Cali.

-Cebu? - andavam lado a lado agora, e ele, intoxicado pelo doce aroma que emanava daqueles cabelos, só queria que ela falasse mais.

-Sim. Experimentei as águas do mar de Coral e das Hébridas escocesas. - as palavras fluíam suaves agora, nem sinal do sotaque que antes pareceu ter - Da aridez de Cartum ao mar de nuvens das Montanhas Huangshan e da água entoei "Tanindrazana, Fahafahana, Fandrosoana" para os malgaxes. Também passei pelo gelo do extremo sul da Terra.

Seus lábios eram cheios, pareciam feitos para o ofício de beijar e agradar. Se toda a perfeição de uma criatura pudesse ser concentrada em algum lugar, seria naquela boca... ao contrário do olhar, que era assustador. Ela o devorava com seus olhos claros - ora verdes, ora azuis - e ainda não tinha piscado. Nem uma única vez.

-Dentre tantas conchas, você encontrou a minha. - e apontou pra mão dele.

Como sabia o que ele segurava? Diante da mudez embasbacada de Patrick, ela prosseguiu:

-Sabe o que isso significa?

-Hã? Não, não... - ele apertou a concha entre os dedos. De alguma maneira louca percebeu que não tinha uma simples concha nas mãos.

-Que você tem que me possuir. Mas apenas uma vez. Depois tem que devolver a concha ao oceano. Eu não pertenço somente a essa praia, mas a todas outras que Zeus dispôs pela Terra, até àquelas que o homem ainda não tocou.

"Será que ela tomou LSD e está viajando?" - ele se perguntou. Lisa mesmo já tinha tomado um "olho de Shiva" numa rave certa vez e visto criaturas nas águas...

-Ok, assim... na boa, você tomou ecstasy, alguma droga do tipo?

-Eu? - ela gargalhou, mostrando demais os dentes serrilhados - Já me chamaram de muitas coisas, de ninfa, de monstro, de demônio... mas de drogada é a primeira vez. Só "tomo" - e nesse momento ela fez o gesto de beber apontando o polegar pros lábios - água do mar. Sou mulher e também peixe, mas nunca em partes iguais.

Patrick vasculhou as memórias pra ver se lembrava de algum amigo que tivesse experimentado alucinógenos. Só alucinógenos poderiam explicar aquilo. E por que diabos alguém chamaria uma gostosa daquelas de "monstro"? Para evitar encará-la, forçou a vista pela orla e a única coisa que enxergou foram as luzes vermelhas e azuis piscantes de alguma viatura policial a quilômetros de distância.

Sentiu o olhar dela em sua visão periférica. Estava cada vez mais difícil manter a calma com ela ali, nua, ao seu lado. Quais as chances da Lisa acordar e descer para a areia? E se ela os pegasse ali?

Ela sentiu algo no silêncio incomodado dele, e perguntou:

-Você tem uma companheira?

-Não... quer dizer, sim, tenho sim!

-Pena que ela não está aqui. Faríamos uma festinha à três, gostaria disso?

-Não acho que...

-Gostaria disso? - duas palavras apenas, que saíram como música dos lábios dela. Sibilantes. Mas a insinuação por trás era forte demais pra ser ignorada. Patrick ruborizou, sem ação diante daquela mulher deslumbrante. sentiu o rosto queimando e acendendo seu desejo junto, e então olhou para baixo.

-A senhora Afrodite - ela começou - numa época em que o deuses brincavam conosco por mero capricho, nos transformou em criatura aladas, emplumadas, frígidas, desinteressadas pelos prazeres do sexo. Éramos temidas e respeitadas como as Eríneas, nos fazíamos presentes aos humanos quando suas vidas mitigavam.

-Não pare de falar, sua voz é linda. - ele deixou escapar, como um adolescente ansioso.

O sorriso dela encheu-se de dentes serrilhados novamente.

-Nosso orgulho acabou por nos derrubar. Perdemos nossas plumas vermelhas. Os homens, por sua vez, inventaram o leme e navegavam livres pelos mares de Poseidon. Nos adaptamos à eles, nos apaixonamos. Nada abaixo das nuvens era mais belo que a visão de uma nau singrando, uma centopeia de remos movidos por braços e troncos musculosos, respingando suor e água salgada.

Naquele momento ela o fitou demoradamente. Ele não suportou a intensidade daquele olhar.

-Descobrimos que os homens eram... deliciosos. E nos largamos pelas rochas à espera deles. Minhas irmãs dedilhavam liras de cordas de carneiro e tocavam flauta. Eu cantava. Juntas, nossos encantos eram poderosíssimos: primeiro o enlevo, o alvo era cativado pela música, tirado de sua rota. Depois eu entrava com as palavras, que causavam a compulsão que os trazia para nossos seios:

"Ó Boreas Pai dos Ventos, ouça nosso comando, para que não seja encerrado em sua caverna por Hércules, sopre teu hálito sobre as águas para que forme uma névoa para confundir os olhos dos remadores, que eles possam conduzir a proa em direção à nossa ilha."

-Você está me dizendo o quê? Que... que é uma sereia?

Ela acariciava os próprios cabelos, agora descobrindo o colo completamente, revelando os seios exuberantes. Cantarolava suave, no mesmo ritmo em que corria os dedos pelos fios:

"E você Grande Poseidon, Cronida que estremece a Terra, Rei das Profundezas, Pai de Proteu, ouça nosso apelo e concede-nos nosso desejo, para que não sinta o açoite da espuma nascedoura, tome o leme da mão dele e direcione seu navio às nossas costas."

-Qual seu nome?

-Shhhh... eu te conto depois, se me agradar de você. - a voz melodiosa respondeu, avançando os lábios na direção dos dele, que num primeiro impulso se afastou. Algo dentro dele gritava que aquela mulher não podia ser natural. Seus pensamentos viajaram até Lisa.

-Se não me possuir, eu morro. Quer isso? - ela insistiu. Um quase gemido. A força das palavras dissipa as dúvidas de Patrick, derrubando suas resistências. Perto da voz daquela estranha, sua Lisa soava bem esganiçada.

-Como é sua companheira? Pois quando um homem tem uma mulher baixinha, ele quer uma mais alta. Se ela é cheia de curvas, ele deseja uma magra. Quando consegue a magra, deseja uma com bunda grande. Quando consegue uma com bunda grande, ele começa a desejar outra que tenha seios maiores, mesmo que o quadril seja menor. E por aí vai, eternamente insatisfeito. Não negue. Conheço bem demais os homens.

Patrick sorri em concordância. Ela o beija e dessa vez ele permite, apertando ainda mais a concha contra a palma da mão.

-Se pode me possuir uma vez, por que não? - ela ainda provoca, enquanto seus lábios puxam os dele, entre um respiro e outro.

-Apenas uma vez?

Ela não responde a pergunta. Patrick repara que os dentes pontiagudos dela não incomodam durante o beijo. Aos poucos sua outra mão encontra as pernas torneadas da sereia. Coxas grossas, fartas, mas ásperas como as de uma adolescente preguiçosa. Ele guarda a concha no bolso da bermuda para concentrar as mãos naquele corpo inteiro. Abraça a cintura e desce, apalpando a bunda firme e puxando-a contra si. Sobe pelas costas, descobrindo pele lisa e macia ali. Agarra os ombros e depois enrosca os dedos nos cabelos dela, acompanhando o beijo quente. Ela nadava pra dentro dele, lambendo todo o interior da boca de Patrick com sua língua áspera, faminta. A sensação era indescritível, só interrompida quando ela encontra a língua dele e a chupa com força. Ele mexe a cabeça para terminar o beijo mas ela o trava, sugando. Desconfortável, ele deixa de acariciá-la e segura a própria camisa, fazendo menção de se despir. A sereia entende o sinal e o liberta de seus lábios.

-Não sou musculoso como seus remadores, mas... - ele sorri, já ansioso em tirar a bermuda também.

-Não, não é. Mas deve ser vigoroso de outras maneiras. - ela o estimula, o olhar esquisito fixo nele, e emenda:

"As filhas de Aqueloo imploram e ordenam, Ó Apolo Febo, o bom flecheiro, Mestre da Lira de Sete cordas, Filho de Latona, Senhor do Hélicon, permita que nossa música seja ouvida, para que não sinta a ira de Hera a inibidora..."

-Isso tá me assustando pra caralho. - Patrick comentou meio rindo, tentando tirar a bermuda sem parecer um garoto apressado.

"...deixe que nossa música entre nos ouvidos dele e apodere-se de seu coração para fazê-lo em conformidade com a nossa vontade." - ela continuou, calma, pausadamente. Depois sentou-se na areia e o desafiou:

-Se te assusta, então me mantenha ocupada.

Patrick abaixou-se entre aquelas pernas azuis, e com os joelhos foi afastando os tornozelos dela, abrindo caminho até se encaixar na sereia, que deitou para recebê-lo. Suas coxas enfim se encontraram, e ele debruçou-se para mamar os seios rijos, perfeitos. Ela arqueava as costas, apertava os peitos, se oferecendo ainda mais à boca dele. Seus cabelos, revoltos, não se misturavam com a areia. Ela enfim empunhou o membro dele e, com firmeza, o direcionou até sua entrada.

Patrick tentava absorver cada segundo daquele momento tão singular: a brisa noturna quente que lhe soprava as costas, o primeiro gemido que ela soltou na penetração. O líquido abundante que sentiu lubrificando seu pau. As diferentes texturas da pele dela, da maciez do colo à aspereza das coxas e pernas. Pernas poderosas, que lhe enlaçaram pela cintura ditando o ritmo, um ritmo mais selvagem, pouco acima do que estava acostumado. Ela sorriu de maneira maliciosa e jogou os braços para cima, pela areia. Seus seios ficaram ainda mais saltados, mais apetitosos. E foi neles que Patrick resolveu segurar enquanto a fodia. Apertava com a mesma força que estocava. O quadril da sereia se contorcia deliciosamente, numa cadência circular que o enlouquecia.

-Você é foda. - foi o máximo que conseguiu gemer, já próximo da primeira gozada. Sentiu que precisava dar mais. Apoiou as mãos na areia pra aumentar a força dos golpes. Lutaram nessa posição por alguns minutos até ele ofegar. O suor pingava de seus cabelos e também escorria por seu peito.

Aquela que nunca piscava continuava seus movimentos acolhedores; sensuais, por vezes violentos, indo e vindo, ditando o ritmo da trepada. Os lábios entreabertos pontuavam cada metida de Patrick com um gemido delicioso, enquanto os seios hipnóticos balançavam. Ele a puxa contra si, contra suas pernas flexionadas até que ela encoste a barriga em seu peito, penetrando o mais fundo que consegue. A sereia aprova o movimento e o acompanha, apoiando-se nas mãos espalmadas por trás dos ombros. Ele passa as mãos por baixo dela, uma apoia as costas e a outra o quadril. O encaixe de ambos eleva a vontade de gozar à beira do insuportável.

O orgasmo dela veio como a arrebentação, em ondas, barulhento. O dele acompanhou as contrações que a vagina criava com toda a força de seus músculos. Patrick encostou a testa entre os seios generosos dela, urrando em jatos; dois, três até um quarto extasiante. Ela ainda convulsionava, a cabeça para trás, largada de maneira lânguida na areia escura de Sistinas. Soltava pequenos sons a cada movimento do pau dele lá dentro. Ele ignorou as dores que começavam a incomodar as pernas e a puxou, levantando aquela meia-mulher inteira gostosa.

Ele adotou uma posição meio que impensável em sua atual rotina sexual e, sem desencaixarem, ela permaneceu por cima, sentada em seu cacete. A respiração de Patrick não tinha normalizado ainda quando ela voltou a mexer o quadril, primeiro devagar enquanto abraçava seu pescoço. Ali, no olhar, morava a meio-ninfa, o meio-demônio, o meio-monstro sexual. Conforme aumentavam a velocidade, imagens dela acariciavam seu cérebro. Enxergou os antigos remadores em vestimentas de couro de animais de pelo, usando máscaras assustadoras, para se protegerem das sereias nas expedições às terras desconhecidas. Ela abriu a bocarra mastigadora de homens para beijá-lo. Sentiu roçando na pele os peitos rijos dela, cujo leite amamentava os heróis da antiguidade. Patrick entendeu enfim a pergunta que ela lhe fizera quando se encontraram: "Que música as sereias costumavam cantar?"

Ele agarrou as nádegas empinadas da sereia com força, enterrando-a ainda mais contra seu membro pulsante. Ela pousou a cabeça no ombro dele e sussurrou:

-Meu nome é Umlahi.

Provocado, ele a puxou pelos cabelos e acelerou as metidas até o limite de suas forças. Ela gostou de ser penetrada naquele ângulo e, com a cabeça suspensa para trás, gemia sem parar com sua boca formando um "oh!". Patrick não aguentou muito mais e gritou, gozando novo, vibrando a cada vez que jorrava ali dentro. A sereia acelerou a foda e o quadril que antes subia e descia agora ia para frente e para trás de maneira frenética, esfregando o clitóris inchado no homem até chegar ao clímax, poucos segundos depois. E desse jeito, grudados, ambos se deixaram cair na areia.

Ele permaneceu deitado de costas, ofegante, com as pernas afastadas. Um formigamento gostoso descia pela virilha e se espalhava nas coxas. Ela girou para o lado, saindo de cima dele.

-Quando nos veremos de novo?

Ela ergueu-se com um movimento brusco e sentou-se de costas para Patrick, abraçando os joelhos.

-Nunca mais. Você deve devolver minha concha ao mar. Deve atirá-la o mais longe que conseguir.

Patrick não gostou da resposta. Ficou em silêncio tempo demais, sem conseguir retrucar. Até que percebeu algo tatuado no dorso da sereia. Levantou-se ao lado dela e afastou os cabelos cheios. Era uma série de símbolos misturados com traços e letras, fechando as costas. A tinta estava bastante desbotada ali, quase sumindo. Ela permitiu que ele corresse os dedos por cima, intrigado.

-O que significam?

Ele não veria mais o rosto da sereia daquele momento em diante. Com os cabelos protegendo sua figura, ela respondeu:

-São as letras de Cadmo, filho do fenício Agenor. Quando perdemos o desafio contra as Musas cantantes, tatuamos nossas carnes para nunca mais errar nossa música. Desde então somos a partitura viva uma da outra.

A voz dela ainda era doce e melodiosa, mas ele já percebia um que de afastamento. Ela cruzou os tornozelos e, apoiada neles e em suas pernas musculosas, ergueu-se sem olhar para trás, deixando claro seu descontentamento com o desprezo dele pelas condições que ela impusera. A mesma complicação de sempre. Nenhum homem parecia entender que suas carícias vinham apenas UMA vez.

-Você deve devolver minha concha ao mar. Deve atirá-la o mais longe que conseguir. - ela repetiu, enfática - É a condição que acompanha meus encantos.

-Tá, tá, tá! - ele debochou, deitando-se outra vez na areia. Olhou para as estrelas e ergueu um pouco a testa na direção do mar; divisou a sereia se afastando, o quadril azul, volumoso e rebolativo, se movendo graciosamente a cada passo lento. A imagem o excitava, ao contrário das palavras que ela entoava:

"Pela Doce Voz de Melpomene cujas canções encantam as almas dos homens e dos deuses e por ordem de Zeus o Portador do Aégis, o qual distribuiu o céu, e a terra, e o mar, que assim seja feito."

Ele procurou pelas roupas jogadas na areia, mas então se sentiu meio idiota. Detestou perceber que estava impressionado com a maneira fria com que ela dizia aquelas palavras. Desistiu de alcançar a bermuda. A sereia hesitou por um instante à beira do mar e voltou-se. Ao longe e no escuro era impossível enxergar o rosto dela, mas sabia que aqueles olhos que nunca piscavam estavam fixos nos dele.

"Nós o obrigamos, por Hecate, nós o obrigamos. Por Astaroth, por Thoth, por Cybele, por Ísis, por Ammon, por Ilunquh, por Sebau, por Sabaoth e Anset seja obrigado!"

No instante seguinte Patrick estava sozinho na areia. Permaneceu deitado sob o céu estrelado e, sem urgência de voltar pra casa, adormeceu de maneira tão suave quanto a brisa que soprava.


A noite já ia bem alta quando ele enfim voltou pra casa. Lisa dormia preguiçosamente no quarto deles. Ressonava baixinho abraçada ao travesseiro, como que pedindo carinho e apoio. Pelo semblante não parecia ser um sono tranquilo. Talvez tivesse bebido. Certeza que a cama devia estar girando quando ela se deitou. Lembrou da primeira vez que a viu; andava com um vestido curtíssimo florido e uma bolsa tiracolo, cuja alça dividia e também realçava o formato dos seios. Eram firmes, formando um belo conjunto com os mamilos aparentes sob o tecido. Os mesmos mamilos que agora despontavam contra a camiseta de dormir. Ele a acariciou na testa por um segundo e saiu do aposento.

Na cozinha, o balcão contava um pouco de como tinha sido a noite dela: diversos tipos queijos em tábuas - mofo branco, azul, suíços, fortes, cremosos - cada qual com sua própria faca ao lado. Os frios estavam arrumados e espetados com palitinhos. Peras, uvas e maçãs em arranjos. Garrafas de água mineral dispostas entre as de vinho. Ela escolheu um tinto forte e esvaziou a garrafa. A taça com seu batom estava abandonada ao lado de um pedaço de Gorgonzola e restos de pão de centeio preto.

Patrick serve-se com um tinto suave acompanhado por uma fatia de Provolone. Repara num minúsculo pelo branco do gato grudado na faca que usou. Ele sempre se irrita com a onipresença do gato permeando a casa toda. Ulthar era meio que uma "herança" do último relacionamento de Lisa. Ela e o ex-namorado brigaram por causa dele, na verdade. Obrigada a escolher entre o namorado e o felino preguiçoso, ela preferiu seu bichinho. E quando eles se beijaram, semanas depois do ocorrido, ela apressou-se em lhe contar essa história.

Então seus pensamentos se voltam para a sereia. Não consegue parar de desejar aquele rabo, do jeito como o quadril volumoso dela se mexia. Dos instantes - breves e intensos - que esteve dentro dela, da alma do oceano. Não consegue esquecer o furor sexual que experimentou. Decide tomar uma ducha gelada para se acalmar, abandonando as roupas no chão do banheiro.


No volante - a caminho de uma quinta-feira estressante - Patrick ia impaciente, trocando as estações de rádio. Não sabia explicar o que tinha acontecido às vozes mais famosas da música. Lorenna McKennitt, Lana Del rey, Sarah Brightman, Adele, todas pareciam leitoas guinchando num matadouro. Amy Winehouse então, coitada... Sempre teve uma queda especial por músicas cantadas por mulheres, mas naquela manhã estava impossível ouvi-las. Fuçou nos MP3 contidos em seu celular, todas as musas do rock e do metal, de Mary Fahl, Johnette Napolitano, Tarja, Scabbia, Simone Simons, Sharon Den Adel, Floor Jansen até Liv Kristine... todas reduzidas a berros e chiados insuportáveis. Enfim encontrou algo do Led Zeppelin e conseguiu relaxar. A reprodução via bluetooth foi interrompida com uma ligação de casa:

-Você está sem falar comigo desde ontem? É isso mesmo? - Lisa perguntou, também com uma voz estridente que ele quase não reconheceu.

-Doçura, você secou uma garrafa de vinho. Eu não quis acordá-la. Só isso.

-Te esperei ontem, por que demorou tanto na sua caminhada noturna? Não levou celular, nada... Eu comecei a beber enquanto preparava a mesa e estava feliz demais pra parar.

-Não gosto de pensar que posso ser assaltado na orla, por isso deixei o celular em casa. A noite tava boa, comecei a caminhar e também não consegui parar.

-Jura que não viu o resultado positivo em cima da mesa?

-Resultado...? - sua voz engasgou.

-Parabéns papai.

Patrick apertou o volante com mais força, emocionado. Seus olhos arderam. Não sabia o que dizer.

-Ainda está aí? É isso mesmo Patrick, estamos grávidos! Não é fantástico?

-Lisa, que notícia maravilhosa meu amor! Escuta, estou voltando pra casa. Quero abraçar essa sua barriga!

-Não precisa amor. Estou com três semanas de gestação. Teremos outras trinta e sete de curtição. Então, basta você voltar pra cá de noite com algum presente que te perdôo por ser tão desligado, tá bom?

-Claro, justo! Sei que é meio bobo dizer isso, mas... Você acaba de me dar o maior presente que um homem pode receber!

-Patrick... eu não quero ser somente a mãe de um filho seu. Isso acontece no casamento de todas as minhas amigas. Não quero que me veja somente como mãe. Quero continuar sendo uma amante fogosa também, tá me entendendo?

-Estou, estou, claro que estou. - gaguejou.

-Ah, e o vestido que escolhi pra casarmos é lindo! Vou provar hoje à noite pra você ver.

-Não dá azar ver a noiva vestida antes da cerimônia?

-E você acredita nessas coisas Patrick? Agora vai trabalhar. Não esquece: presente e chocolate.

-O presente seria chocolate, amor. - brincou.

-Não. Presente "e" chocolate, Patrick. Te espero. Beijos.

Patrick desligou, o coração acelerado de emoção, inundado de amor genuíno. Nada que acontecesse no trabalho agora poderia estressá-lo. Nem lembrava qual a última vez em que se sentiu tão feliz e completo assim. Esqueceu o Led Zeppelin.

O celular só foi tocar novamente nove horas depois:

-Patrick, que estranha essa concha que trouxe da praia. Coloquei no aquário e acredita que ela se abriu enquanto eu provava o vestido? Deve ser um sinal, né?

-Que concha?

-Tava no bolso da sua bermuda. A que você deixou jogada no chão do banheiro. Quantas vezes já lhe disse que lugar de roupa suja é no cesto, mocinho?

-Ela... se abriu?

-É! Tão bonitinha. Até o Ulthar pulou do braço do sofá pra ver de perto. - então Lisa regride pra idade mental de três anos para conversar com o gato. No mesmo instante, um barulho molhado corta bruscamente a fala infantilóide dela e a ligação cai.

-Lisa? - começa a chamá-la antes mesmo de apertar o botão verde do celular. Continua chamando por ela durante o som da discagem - ATENDE!

Depois da terceira ligação sem reposta, a urgência tomou conta dele. Levantou-se, pegou o casaco e correu... praguejando por ter comprado a casa numa praia tão afastada.


Duas horas de trânsito depois ele larga o carro na rua mesmo, mais perto do vizinho, impaciente. Perdeu a conta de quantas vezes ligou pelo caminho, mas Lisa não atendeu em nenhuma delas. Atabalhoado, brigou com as chaves até conseguir destrancar a porta. Segurava a respiração sem perceber, esperando pelo pior. A casa toda estava às escuras e ele acendeu a luz, varrendo rapidamente a sala com o olhar desesperado. Tudo no lugar, exceto... "Cadê o gato, cadê a porra do gato!?"

O chão estava molhado aqui e ali. Lembrou que Lisa gostava de usar a banheira naquele horário. Será? Percebeu que tava mais molhado perto do aquário e enfim viu o gato. Retorcido, afogado dentro do vidro. Nem sinal dos peixes reluzentes. Quem...?

-Lisa! - gritou, atravessando correndo a cozinha na direção do quarto, da banheira.

O silêncio era tamanho que Patrick só ouvia a própria respiração, agora totalmente descompassada. Com dois pulos venceu a distância entre a cama deles e a porta do lavabo, emoldurada por luzes tremeluzentes que vazavam de suas frestas. Grudou a mão na maçaneta, sôfrego, enquanto seu coração parava de bater durante o giro.

Lisa estava imóvel dentro da banheira. As velas semiderretidas nas bordas bruxuleavam mais sombras do que luz no rosto dela. A expressão era de agonia, de luta. Uma luta vã, perdida. Os olhos ainda brilhavam um pouco, quase contendo vida, uma ilusão macabra. Lisa estava morta, afogada como o gato. Usava o vestido de noiva e uma das mãos enrugadas segurava o baixo ventre, talvez o último ato consciente antes da morte. Proteger a gravidez.

Chorando, ele segurou aquela mão gélida, abandonada pela alma, entre as suas. Pequenos pedaços da pele de Lisa se soltaram em contato com a dele. Soluçando, ele a pousou novamente na água límpida. Sua futura esposa, futura mãe de uma linda criança que misturava os dois, futura...

Nenhum futuro. O desespero bateu forte e ele o recebeu como estava: ajoelhado, com os dedos crispados na lateral da banheira transformada em túmulo. Seus olhos queimavam com as lágrimas quentes. Queria acreditar em algo com que pudesse esbravejar, gritar, mas a vida - toda ela - de repente havia perdido o sentido.

Lisa ainda usava seu vestido de noiva, a cauda de sereia feita em tecido azul balançando suave a cada pequena ondulação. Reparou enfim no objeto que repousava no fundo da banheira, quase como uma provocação. A última peça do quebra-cabeça. Pegou a maldita concha, apertando-a entre os dedos.

"Umlahi. UMLAHI!" - levantou-se num arroubo de fúria, quase escorregando no piso molhado, e correu para a praia.


Desorientado, Patrick errou pela areia deserta por vários minutos. Mesmo que encontrasse a sereia, ainda não sabia o que fazer com ela. Não tinha ideia de como nem onde procurá-la. Nesse instante lembrou-se do que trazia na palma da mão, e a concha se abriu. Uma melodia triste, inintelegível, inundou seus ouvidos, ressoando ao longe. Da água.

-Viu que os peixes estão mais confortáveis na piscina? - perguntou Umlahi, próxima da água. A voz não era mais tão sedutora quanto ele se lembrava.

O sangue de Patrick ferveu nas veias. Andou na direção dela, que se afastava na mesma quantidade de passos, estabelecendo um perímetro entre eles.

-Eu não gostei da maneira como o gato olhava para os peixes. Nem da maneira como sua companheira me olhou. Ela parecia saber da gente. Que você provou das minhas umidades.

-Por quê? Por que fez tudo isso? - foi a única coisa que sua mente confusa conseguiu formular. Decidiu que enforcaria aquela assassina. Derrubaria na areia, montaria nela e fim. Examinou as redondezas e confirmou: praia deserta como na noite anterior. Maldita noite anterior. Se tivesse visto o resultado daquele exame de gravidez tudo teria sido diferente. O desespero voltou com força total e ele gritou a raiva contida no peito:

-Ela estava grávida! GRÁVIDA! Que tipo de monstro mata uma mulher grávida?

"E por que diabos alguém chamaria uma gostosa daquelas de monstro?" - lembrou de ter pensado na outra noite, enquanto ela mesma lhe contava suas alcunhas.

"Ninfa. Monstro. Demônio!"

-Era pra ser apenas uma vez, e você teria só o melhor de mim. Agora jogue minha concha no mar! Nada disso aconteceria se tivesse cumprido sua parte!

-Se eu jogar, o que acontece? Vai me devorar? - ele gritou em resposta.

-Sereias não devoram homens. Sereias só devoram homens quando provocadas. - tinha uma ameaça velada naquelas palavras, mas a perfeição das formas ainda confundia Patrick - Eu vou embora. Para onde Poseidon me permitir repousar. Para onde Zeus me enviar, para onde Bóreas me soprar.

A mente dele zunia. "Derrubá-la na areia, montar, espremer esses olhos que nunca piscam."

-E se eu quebrar sua preciosa concha? - estava bem próximo dela agora. Perto o suficiente para ver a transformação nas feições da sereia.

-Você não pode quebrá-la. - sua boca se abriu mais do que o normal, quase alcançando as orelhas, enchendo-se de dentes triangulares cintilantes. Era um sorriso, ou um esforço nesse sentido.

"Derrubá-la na areia, montar, segurá-la pelo pescoço e..."

Ele levantou a concha na mão esquerda e com a direita socou com toda a força que tinha. Só conseguiu machucar os nós dos dedos.

Umlahi gritou, a bocarra aberta ao máximo. Patrick se assustou, intimidado com a repentina mudança da beleza dela, agora tornada num monstro de pesadelo. Ia levantar a mão para um segundo golpe, mas um receio primitivo tomou conta dele: entendeu que aquela concha era a única coisa no mundo capaz de protegê-lo da sereia, criatura imortal moldada pelos deuses no começo dos tempos. Primeiro emplumadas como pássaros agourentos, depois precipitadas nas águas. Imperfeita como os humanos. Volúvel como os humanos. A tentação intrínseca da humanidade.

Ali, soprado pela brisa noturna, à beira do mar de Poseidon, Patrick também entendeu que a culpa era toda dele. Cegado pela luxúria, levou a concha pra dentro de casa - pois desejava possuir a sereia outras vezes - e com esse ato impensado condenou à morte Lisa e a criança que ela carregava no ventre. Seu semblante desabou, acusando a própria culpa.

-Não se culpe tanto. - começou Umlahi, entre dentes - No decorrer das eras, poucos resistiram aos nossos encantos. Ulisses de Ítaca foi o mais famoso deles. Não era o herói vigoroso das pinturas. Era um anão, menor que uma criança em estatura. - ela desdenha ao final, a voz carregada de desprezo.

-Eu não vou te libertar, não é justo você me tirar tudo e ir embora assim!

-Então venha comigo. - ela respondeu encolhendo os ombros, surpreendentemente dócil de repente. Aquilo o desorientou.

-O quê?

-Não está dizendo que não tem mais nada? Então fique comigo. Só tenho meu corpo pra oferecer. Tire esses sapatos apertados, essa roupa que te aflige e me acompanhe. - ela abriu os braços e o chamou com todos os dedos: "Vem!" Os seios fartos e lascivos da sereia se exibiam à ele, convidativos, tentadores.

Patrick sabia que não podia entrar na água. Era o elemento dela. Resistiu.

-Se me pegar, talvez eu permita que me possua novamente. - o corpo todo se oferecia à ele, mas os olhos dela eram como o mar revolto. Aqueles olhos lhe diziam "Foda-me como se me odiasse", com toda a força e crueza, como se um oceano furioso tivesse se represado naquelas órbitas. Ele percebeu e resistiu uma vez mais, perdido diante do monstro dentado e lúbrico que o encarava.

-Tirou sua mulher da água antes que a pele dela se rasgue? Depois de duas horas é o que acontece com um corpo humano. Deveria tirá...

Patrick gritou, cortando a frase, ensandecido. A provocação inflamou o homem onde a sedução falhou. Ele partiu pra cima da sereia, enquanto ela recuava na direção do mar escuro.

A textura estranha do quadril volumoso ficou ainda mais vívida em contato com a água. Então ela lançou-se para frente e suas pernas fortes se uniram até formar uma cauda de peixe imensa, lustrosa. Fendas se abriram entre as costelas espaçadas, formando guelras tão grandes que engoliriam uma mão. O abrir e fechar obsceno delas o enojou. Teve ainda mais certeza de que precisava matá-la!

Entrou desajeitadamente pela água aos pulos, ainda de pé, ainda de sapatos e roupas, enquanto a cauda da sereia, agora completa, brilhava azulada mesmo sob a luz fraca da lua. Foi a última coisa que enxergou de Umlahi: um lampejo índigo num impulso de dar inveja em campeãs olímpicas de natação.

Patrick se desorientou e ainda tentou nadar. Na primeira braçada a concha tratou de escapar de seus dedos para se perder nas profundezas. Agora só tinha a própria raiva que queimava no peito como proteção contra aquela criatura.

Não era suficiente.

Nem viu de onde partiu a primeira mordida. O oceano inteiro pareceu ganhar dentes navalhados, traiçoeiros, perfurando sua carne, toda ela. Sua raiva e o resto da coragem se esvaía junto com o sangue, tingindo a água. Em pânico, tentou voltar para a praia, mas a voragem daquela demônia não permitia. Ela o estava despedaçando ainda em vida. Não tinha como nadar sem uma perna.

Sentia dores no braço direito, justo o mais forte, o que lhe dava maior impulso. Riu e chorou ao mesmo tempo, alucinando uma vã esperança. A areia até pareceu mais próxima, mas quando tentou nova braçada e o membro não veio, descobriu o quanto já estava morto.

O último desejo que passou por sua cabeça à deriva foi que o próximo homem a encontrar a maldita concha tivesse mais força de vontade para resistir àqueles encantos mortais. Já mergulhava no escuro da inconsciência quando seu olhar mortiço registrou um monstro a morder sua boca, rasgando a carne de seus lábios e calando seu grito para sempre!


Comentários do autor

Ao longo da Idade Média, principalmente nas regiões do Mediterrâneo, a sereia como mulher-peixe suplantou a mulher-pássaro do mito grego como a criatura que levava os marinheiros à perdição. Essa transformação do mito pode estar relacionada ao desenvolvimento da navegação, que permitiu aos navios viajar pelo alto mar, onde supostamente essas novas sereias viviam, bem longe das rochas costeiras onde as antigas sirenas se empoleiravam.

"Umlahi" foi escrita originalmente em 14.05.2014, mas apareceu pra mim meses antes... numa praia, durante minhas férias de Janeiro.


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