Sistinas
Egrégora
#24

Egrégora

Essas linhas se passam em algum lugar da Europa, no coração da Idade Média, época onde as fogueiras da Inquisição crepitavam altas, assim como a religiosidade fervorosa de alguns.

Domenico era uma dessas pessoas iluminadas pela fé benigna. Por ser jovem e muito bonito, quando se decidiu pelo monastério desapontou todas as mulheres da região, pois era um homem com feições quase angelicais, que refletiam toda sua pureza, ao mesmo tempo em que deixavam transparecer nos olhos azuis uma sabedoria que poucos de sua idade tinham.

No dia de sua consagração, uma mulher diferente das demais estava também presente na abadia. Tinha uma tonalidade de pele que Domenico só tinha visto em quadros que retratavam o paraíso, e um olhar que não se desviava do seu nem por um instante. Nem mesmo durante a "Ave María":

— Ave María, grátia plena, Dóminus tecum, Benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Iesus. Sancta María, Mater Dei, ora pro nobis peccatóribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen. - oraram todos juntos, enquanto os olhos da mulher pareciam implorar que ele não se tornasse um monge, mas o jovem era determinado. Esse passo em direção à religião podia não parecer naquele momento, mas era o começo de sua ruína...


I - Nadya

"A noite se foi
A hora chegou
A busca por um novo dia começou,
E promete permanecer
Para amenizar a dor dos anos perdidos
E para afastar as poucas lágrimas
Um amor para iluminar o caminho"

A abadia já tinha se esvaziado após a cerimônia, e mesmo assim a mulher permanecia ali, sentada. Domenico agora era um beneditino, mas antes disso era o homem que ela amava.

Nadya, que era um anjo caído, buscava seus sentimentos, tentando achar uma explicação convincente para um ser celestial estar perdidamente apaixonada por um simples mortal. Seriam os olhos quase transparentes, reluzentes de fé cristã, que atraíam tanto sua atenção? Ou seriam as longas orações dele, que superavam em muito as dela, tanto em fé quanto em ardor? Irônico, mas aquele mortal conseguia estar muito mais próximo de Deus que ela mesma, que um dia estivera no Paraíso, dotada de asas poderosas, sobrevoando por toda a Criação divina.

Não seria a primeira vez que um anjo se enamora por mortais. A segunda rebelião celeste, que condenou Samyaza e seus duzentos anjos, fora toda causada por isso. Eles desceram à Terra para fornicar com as filhas dos homens, gerando a raça maligna dos Nephilins, e o Altíssimo mandou o Dilúvio para limpar o mundo da presença deles!

Talvez fosse por estar pensando nesse assunto com tanta raiva que uma figura sombria entrou na abadia, e sentou-se calmamente ao lado dela:

— Belial? O que faz aqui? Desde quando você tem autonomia para adentrar um local sagrado?

O homem, de aparência calma, outrora o regente da destruída cidade de Sodoma, sorriu e respondeu entre os dentes:

— Talvez por esse local não ser tão sagrado quanto você pensa. Sabe como chamamos esse tipo de ambiente lá no inferno de onde venho? "Egrégora". Aqui se congregam pessoas que têm pensamentos, sentimentos e atitudes muito características, o que leva a aparições de certas "entidades", como as succubus, nascidas de fantasias sexuais, de masturbações e de sonhos eróticos.

— É possível. - respondeu Nadya, enojada com a presença de Belial, pois se lembrava claramente que ele ordenou os sodomitas atacarem e abusarem sexualmente dos anjos enviados pelo Senhor para destruir sua cidade.

— A maioria dos religiosos de hoje em dia são homossexuais, lembra-se? Tanto que o Concílio de Tours ditou que dois homens não podem em hipótese alguma dormir na mesma cama. Eu adoro a humanidade por esses detalhes! - ele gargalhou.

Ela ouviu aquilo e, ao mesmo tempo, sua mente se revoltou com a ligeira ideia de seu amado Domenico se deitar ou mesmo tocar impuramente outro monge degenerado. Seria desperdício de material humano e espiritual.

— Acalme-se pequena. "Ora et Labora", lembra-se? Esses pobres homens apenas trabalham e rezam, oram a plenos pulmões, todos juntos, sete vezes por dia. Quase dá para lembrar dos serafins lá de cima! - continuou o demônio, zombando.

Quando Belial a chamou daquele jeito, Nadya lembrou-se de vez de toda sua própria desgraça. Ele, um dos generais de Lúcifer, percebendo a mudança nas feições dela, continuou:

— Pobres anjos da terceira falange... Tão valorosos, poderiam ter ganho o céu junto conosco. Mas, vocês quiseram? Não. E hoje vivem essas vidas imundas, incompletas, piores do que nós que descemos ao inferno.

— A guerra era absurda, e má, Belial. Por isso vocês foram condenados, encerrados no abismo! Eu me lembro muito bem de seus companheiros: Azael, o porta-estandarte dos exércitos do abismo; Moloch, que ainda quis atacar os Céus, mesmo após encerrado no inferno; Manion, que temia a luz e os raios do arcanjo Miguel; Dagon, dos filisteus, idolatrado até sua estátua imunda se despedaçar diante da Arca Santa.

— E desde quando você pode afirmar que foi "premiada" por não participar da rebelião?

Nadya silenciou. Sempre que ficava em dúvida, sabia que afundava mais em sua existência, afinal, perdera suas asas por não ter se aliado a Miguel e os anjos leais a Deus contra as hordas de Lúcifer, de Belzebu e desse mesmo Belial, que agora estava ali, sentado ao seu lado:

— Junte-se a nós, Nadya. Eu posso tirar você dessa miséria.

— Não pode me tentar, Belial. - ela respondeu.

— Pense a respeito. Decidimos perverter a humanidade, e você verá como isso funciona, já que uma guerra aberta contra os céus não é, digamos, interessante.

— Eu perdi minhas asas e minha centelha divinal por conta dessa maldita rebelião! Eu não me aliei a vocês antes, e não será dessa vez que me aliarei.

— Temos alguns de vocês conosco lá embaixo. Lá você terá todo seu esplendor de volta. Terá lindas asas de anjo. Comandará os ventos novamente, manterá essa beleza angelical, terá seus seguidores fieis mesmo aqui na Terra. Basta que venha comigo.

Nadya perdeu a compostura:

— Suma daqui, demônio! Não vou com você a lugar algum! E diga isso também ao seu senhor Lucibel, ou qualquer outra denominação que ele use hoje em dia!

— O que espera, minha querida? Que o Todo-Poderoso desça até você e te devolva ao céu? Sinto, mas isso não vai acontecer. Você foi condenada. Ficará na Terra para sempre, eternamente vivendo e morrendo e reencarnando, até o fim dos tempos!

— Volte para seu buraco. Eu ficarei por aqui, na Terra mesmo. E continuarei fazendo o que acredito que é certo. - desconversou Nadya.

— Hahahaha! E você acha que eu faço o quê, criança? Eu só faço o que acho certo!

Belial saiu andando pela mesma porta que entrou, deixando Nadya com seus pensamentos. A dúvida sempre estivera plantada em seu coração. Lembrou-se da rebelião, de Miguel e do chamado às armas. Lembrou-se de Lucibel, na época o mais lindo e poderoso de todos os anjos.

E lembrou-se de sua queda. De seus amigos que também ficaram de fora da rebelião, e que por essa neutralidade foram punidos por Deus. Lembrou-se da dor de ter suas asas arrancadas pela muito justa espada de fogo, um trauma que levaria por toda a eternidade.

Fez rapidamente uma oração, pedindo perdão por estar desejando um santo homem, um monge que agora teria que residir naquele mosteiro. Saiu, pensando em voltar no dia seguinte, para ver Domenico, e quem sabe, revelar que o amava. Não sabia se devia, nem se podia, mas não conseguia negar o fogo da paixão...


II - Nahema

"E vindo das trevas
Chega um sorriso,
Que alcança por muitas milhas,
Tocando à todos
Sem mais sombras do passado,
Seu espírito é livre para voar enfim,
Brilhando ao Sol"

A natureza gemeu e se abriu, como se estivesse num parto dolorido e profano. E das profundezas avérneas, saiu uma figura feminina. Em silêncio, nua e linda. Porém, os olhos amarelados e o cheiro imundo que emanavam dela dariam uma única certeza, se alguém estivesse ali perto para vê-la caminhar, tropegamente: uma criatura infernal estava à solta na Terra de Deus!

Ela caminhava lentamente, mas ganhando confiança a cada passo em direção ao mosteiro, até que um sorriso cruel se abre em seu rosto.

Nahema era uma succubus e recebera uma ordem direta de Belial: perverter um monge chamado Domenico, uma tarefa das mais agradáveis para seres como ela. Ainda mais quando se tratava de um homem santo. Era fácil e difícil, ao mesmo tempo, seduzir essas almas. Fácil pela reclusão deles, e difícil pela fé que geralmente apresentavam.

Mas Nahema tinha dotes magníficos, que sempre fizeram os humanos se dobrarem diante de sua vontade. O Papa João XII, por exemplo, foi acusado pelos cardeais de subornar bispos, cometer adultério com a concubina de seu pai e incesto com sua mãe. Tudo sob a influência maléfica dela, naturalmente. Não seria diferente dessa vez, com um simples monge.

Chegou ao mosteiro na primeira hora da madrugada. Sabia que a "vigilae", a primeira das chamadas horas canônicas com seus cantos sagrados, começaria logo. Não teria muito tempo para agir, então decidiu apenas sondar o terreno. Entrou num suntuoso salão, onde se reuniam todos aqueles sacros homens para orar, e o que viu a deixou maravilhada:

As paredes, em relevos, mostravam uma arte às vezes até obscena, e que em nada lembrava que era uma casa de Deus. Imundos macacos, leões ferozes e centauros monstruosos faziam companhia a semi-homens. Tigres entre soldados combatentes, e caçadores tocando trombetas. Nahema enxerga uma cabeça com muitos corpos e um corpo com muitas cabeças. E também um quadrúpede com cauda de serpente, um peixe com cabeça de quadrúpede. E uma besta que tem partes iguais de cavalo e de cabra, além de um animal cornudo. Admirou desde centauros; passando por sátiros, faunos, dragões e sagitários; até macacos, uma caricatura que simbolizava o homem pecador.

Os monges dormiam todos em colchões de palha, e todo o lugar era iluminado apenas por três lamparinas, que ficavam acesas a noite toda. A succubus teve o cuidado de procurar por Domenico dentre tantos homens, e quando o viu soube na hora que se tratava dele. Era diferente dos demais. Sonhava tranquilo, e emanava uma aura de paz. Não sabia por qual motivo Belial o tinha escolhido, mas ela sentiu um prazer perverso enquanto o observava.

Quando os sinos tocaram, Nahema estava escondida no salão, observando tudo e todos, de olho em Domenico. Viu interessada que um dos monges não pôde orar com os outros irmãos, e se manteve o tempo todo ajoelhado diante de um altar. Momentos depois, dois homens espancaram com um bastão esse monge excluído. Devia ter transgredido alguma regra, talvez blasfemado, ou bebido demais. A succubus decidiu que visitaria esse pobre castigado em seu leito mais tarde, antes das "laudes", que começariam por volta do nascer do Sol, já que ele estava temporariamente afastado do convívio dos outros. Ela precisava mesmo sugar alguma energia sexual masculina, pois ainda estava fraca.

Quando subiu no peito do monge tapando sua boca, percebeu que era pouco mais que um menino. Mas já tinha muito esperma, que ela sentiu assim que encaixou o membro ansioso e rosáceo dele em suas carnes molhadas e sujas. Antes que o pobre desmaiasse, após a cavalgada furiosa de Nahema, ela sussurrou em seu ouvido que no dia seguinte ele estaria liberto do mosteiro.


III - Domenico

"Como o trovão,
Eu sinto o poder do amor,
É um presente do paraíso
E do Senhor altíssimo
Caminhamos em direção ao desejo
De mãos dadas
Por entre campos de fogo
Com apenas o amor para iluminar nosso caminho
Na estrada para o Dia do Julgamento"

Era o dia de esmolas, ou seja, a população carente do vilarejo vizinho veio toda aos portões do mosteiro, onde estavam sendo preparados quase cem porcos para matar a fome dos necessitados. Domenico era um dos monges que cuidavam da distribuição farta de comida, quando enxergou a mulher pela segunda vez. Tinha medo de confessar isso ao seu próprio coração, mas desejava tanto encontrá-la de novo, apesar de só ter se passado um dia. Ela estava mais bonita que da primeira vez, se isso fosse possível. Vestia um tecido branco, que além do contraste com as vestes negras dos monges, se destacava dos farrapos sujos das pessoas dali. Ela era única, linda, e brilhava. "Como um anjo, só pode ser!"

— Bom dia, meu generoso monge Domenico. - ela se aproximou, enquanto ele entregava o prato de comida para uma idosa. A velha era cega, mas ficou claramente agitada quando escutou a moça falar.

— Bom dia. Já sabe meu nome, mas qual o seu?

— Nadya. - ela respondeu, com um tom de voz que não conseguia esconder o desejo.

— A senhorita não é dessa região, não é mesmo? É de muito longe? - o monge continuava servindo a senhora, de cabeça baixa, como se tivesse medo e vergonha de encarar a mulher de branco.

-Ah, sim, acredite... Venho de muito longe.

A senhora, mais agitada ainda, tentava em vão falar algo muito importante e mastigar a comida ao mesmo tempo. Queria tanto saciar a fome e conversar que se perdeu, não fazendo nem uma, nem outra coisa. Os dois acabaram se afastando um pouco da velha maltrapilha.

— O que a trouxe por esses lados? Só existe esse mosteiro e o vilarejo lá embaixo, e mais nada. Está procurando por algo, cara senhorita?

— Sim, procuro por algo muito importante, que perdi faz tempo. - disse Nadya, escolhendo calmamente as palavras - Eu procuro pelo amor.

O monge ficou subitamente vermelho, e desse momento em diante não mais a encarou nos olhos. Tentou em vão desconversar: "Aqui ensinamos o amor por Deus e..."

— Diga-me Domenico... Seria capaz de me amar? - interrompeu Nadya.

— Por favor, senhorita. Não me pergunte essas coisas, não dessa maneira. Amo, sim, todas as criaturas de Deus.

Os olhos de Nadya faiscaram, por um fio ela não lhe conta toda a verdade, mas respirou fundo e fez uma nova pergunta:

— Pode me encontrar na capela à meia-noite? Sei que você se recolhe às sete.

— Não posso, senhorita. - respondeu angustiado.

— Poder não pode mesmo, mas você quer, não Domenico? - desafiou.

O monge baixou a cabeça, resignado. Demorou a responder, e quando ergueu o olhar novamente apenas viu Nadya sumindo ao longe, caminhando com graça por entre os mendigos mortais. Teve pensamentos impuros, mas não sentiu vontade de se punir.

— Domenico?

Ele voltou-se, e viu a senhora cega ao seu lado. "Sim, o que deseja?"

— Eu não posso enxergar, mas sei que um anjo esteve ao nosso lado hoje. Dizem que só as crianças, os velhos, os cegos e os loucos podem ver e sentir um anjo. Você o viu? Como era doce aquela voz! Como era?

— Ela era lindíssima. E perfeita. - respondeu, deixando a senhora aos cuidados dos outros monges, pensando nas palavras que escutou.

-Glória Patri et Fílio et Spirítui Sancto. Sicut erat in princípio et nunc et semper, et in saécula saeculórum. Amen. - assim orou o Abade, encerrando as "completas", por volta das seis da tarde. Domenico estava ansioso, não trabalhara direito naquele dia.

Durante as "vésperas", a hora da ceia que começava às quatro e meia da tarde e terminava antes do pôr do Sol, ele nem tinha tocado na comida: feijões secos com queijo, ovos e peixe. Mas tomou com gosto o cálice de vinho que lhe foi servido. Estava com a cabeça em Nadya quando foi informado pelos superiores sobre a chegada de alguns inquisidores e templários na abadia, devido à estranha morte de um dos monges - aquele que tinha sido punido - durante a noite.

Domenico não gostava dos inquisidores. O mosteiro era muito rico, devido a doações de senhores feudais e produção própria, então sempre gerava a cobiça da Igreja. Nesse ponto, papas e abades estavam em lados opostos, pois apenas se toleravam. Os monges e sua sabedoria agora eram respeitados por Reis, o que gerava conflitos com a Inquisição, que era cega e leal ao papado corrupto. Tinha pena dos templários, espadas honradas que se manchavam de sangue em nome de inquisidores cruéis.

Por volta da meia-noite seu corpo despertou de maneira espontânea. Correu para a capela, ansioso por ver novamente aquele anjo que emprestou formas de mulher. Ela estava a sua espera, equilibrada no encosto dos bancos de tal maneira que só um ser alado - ou alguém mais leve que o ar - poderia conseguir. Sua reação foi cair de joelhos diante dela.

— Então você veio, meu doce Domenico. - ela sussurrou, enquanto olhava uma pintura no teto da capela, admirando as nuvens e anjos retratados ali. Um deles, de feições severas e que empunhava uma espada de fogo, parecia olhar para os dois.

— Aquele provavelmente é Miguel. - sorriu Nadya, vendo o nervosismo do monge.

— Me diga você, senhorita. - resmungou Domenico, ajoelhado e convencido de que ela era mesmo um anjo.

— Vocês, humanos, nunca verão os céus com os mesmos olhos que eu um dia enxerguei...

Pela primeira vez ela assumia sua divindade. Domenico não sabia o que fazer. "O que quer de mim?"

Nadya desceu de sua posição contemplativa, observando de perto os olhos azuis do monge; olhos desapontados, talvez por não ver suas asas e medrosos pelo pecado de desejar uma mulher. Ela não se conteve, e pousou seus lábios nos dele, enquanto uma lágrima escorreu. Nenhum sino tocou, nenhuma trombeta apocalíptica, apenas o som do beijo ecoou.

— Não podemos consumar o ato carnal, mas eu a amo desde a primeira vez que meu olhar cruzou com o seu. - ele confessou, sentindo na boca algo doce como o mel.

— Me ame, Domenico, e o ato sexual ficará em segundo plano. Posso te mostrar coisas além de sua própria visão. O amor de um homem é o que procuro, e não uma cama. Isso eu encontraria em qualquer lugar que desejasse. Sinta-se honrado.

— Eu te amo. - ele respondeu, durante o segundo beijo, que demorou mais que o primeiro. Um calor divino aqueceu seu corpo e dissipou suas dúvidas todas. Por um instante esqueceu do mundo, e se entregou à boca apaixonante de Nadya.


IV - Perdição

"Acalme-se, vá devagar,
Eu te levarei aonde quiser ir,
Lugares nunca dantes vistos
Por que eu te amo, e preciso de você,
Farei meu melhor para te agradar,
Meu amor pode abrir qualquer porta"

Nahema, a succubus que veio para perverter o monge, chegou pouco depois dos beijos do casal de amantes, e percebeu que se tomasse a forma de Nadya poderia ter sexo com ele sem maiores problemas. Escondida por entre as paredes sagradas do mosteiro, andando furtivamente por entre as sombras, ela ouviu, apesar dos monges raramente conversarem entre si fora das refeições, que uma comitiva da Inquisição chegaria em breve. Então, ela não teria mais tempo a perder. Sabia bem o que era encarar as espadas sagradas dos templários que acompanhavam às vezes os inquisidores.

Quando Domenico voltou das orações das três da manhã, as "vigilae", ela o abordou. Tinham pouco tempo antes das "laudes". Ele quis protestar, sem saber que Nadya, sua amada, estava longe dali e que a mulher em sua frente era Nahema:

— É perigoso! E eu fiz votos de castidade. Achei que queria apenas meu amor e respeito, e não meu sexo.

— Eu quero você por completo, Domenico. Será desperdício não aproveitarmos e unirmos nossas carnes, agora, esta noite. Não se apaixonou por meus beijos? - a criatura o enganou, puxando pelo braço até um aposento separado.

"Não quer saber como é o prazer carnal com um anjo?"

Não foi preciso muito esforço para forçar um monge casto fazer sexo com a mulher que julgava ser sua amada. Nahema se despiu rapidamente, e o ajudou a tirar sua própria toga. Desamarravam apressados os laços que prendiam os tecidos até enfim ficarem nus. Ele deitou-se, nervoso por não saber como proceder, quando a succubus encaixou-se por cima dele, dirigindo seu membro duro para dentro dela. Ele sentiu calor intenso, e uma sensação de dor momentânea, que descia pulsando até seu saco escrotal. O instinto mandou-lhe que apertasse os seios que balançavam ritmadamente ao alcance de suas mãos. Suas coxas começaram a doer pela vontade com que ela cavalgava.

Estava perto do orgasmo, quando ela afundou unhas negras em sua carne, rasgando seu peito, ombros, pescoço e braços. Parecia enlouquecida, e ele julgou que fosse normal de uma mulher fogosa. Os arranhões fizeram com que controlasse a ejaculação mais um pouco, e ela parou de cavalgar:

— Eu quero que termine. Preciso beber da sua semente.

Domenico não estava em condições de negar nada, ainda menos quando sentiu o hálito quente dela envolvendo seu membro. Ela subia e descia a boca com força, e ele sentia o contato gostoso dos lábios molhados, que lubrificavam sua glande, onde lambia devagar, olhando para ele.

O profano e o divino se cruzavam enquanto aquela mulher lhe sugava com força, entre aquelas paredes sagradas, os cabelos se movimentando e ela o encorajando, entre uma salivada e outra, à luz de lamparinas. O monge dobrou os joelhos, soltou tudo o que tinha de sêmen, que foi prontamente engolido com um som úmido e lascivo.

Enquanto ela lambia sua virilha e coxas, sorvendo as poucas gotas que tinham vazado, o prazer de Domenico foi desaparecendo, dando lugar à culpa. Em sua mente veio a imagem de Adão e Eva cobrindo a nudez dos corpos, envergonhados após o pecado. E veio também a desconfiança:

— Quem é você?

— Meu nome é Nahema, Domenico. - a mulher respondeu, secamente.

Os olhos azuis dele se arregalaram de medo quando enxergou os dentes pontiagudos e as pupilas amareladas dela. E soube enfim quem tinha atacado e matado o monge na noite anterior. Ela trazia uma expressão de missão cumprida no rosto cruel, enquanto se erguia, sem pudor algum, para cobrir os seios de mamilos ainda rijos.

— Cria dos infernos! Não vai me matar tão fácil, maldita! - ele gritou desesperado; um grito que acordou todo o mosteiro.

— Oh, mas eu não quero te matar. Minha tarefa aqui acabou. - ela zombou.

Antes que Domenico fizesse algo, o aposento foi invadido por monges, alguns sonolentos, outros incrédulos, por verem um irmão todo marcado, arranhado, sentado nu no chão frio. Ele se apavorou, e quando pensou em reagir, a succubus já tinha sumido nas sombras, como se nunca tivesse estado ali...


V - Punição

"Quando você ouvir o trovão
Em sua noite mais escura,
Estarei lá para te abraçar
Quando o relâmpago descer
Então não se preocupe,
Acalme sua mente
Pois estaremos dançando
No fim dos tempos"

Domenico estava em pânico. Soube, só no último instante, que não tinha sido Nadya que o seduzira. Agora teria que pagar por seu pecado. Tinha sido espancado a noite toda, e mesmo agora, na Janta, (na Sexta hora, ou seja, meio-dia) seu corpo ainda doía, e sua boca sangrava. Assim que o Abade acomodou-se na cabeceira da mesa e todos puderam sentar, ele escutou:

— Irmão Domenico, você transgrediu seriamente as regras beneditinas. Só está aqui conosco à mesa por nossa misericórdia, e também para que não caiamos no pecado do orgulho, por não termos transgredido assim como você.

O condenado ia abrir a boca para agradecer, quando o Abade esmurrou a mesa, gritando:

— Mas justo agora, parvo? Com o tribunal do Santo Ofício chegando por volta da Nona hora? Eles não apreciam nossa prosperidade e querem mais do nunca confiscar esse mosteiro e a rica abadia para Roma, e JUSTO AGORA me aparece um herege, um fornicador? - ele soltou um olhar severo, obrigando a todos jantarem em silêncio, exceto por um dos irmãos que lia as escrituras sagradas. Ninguém percebeu Domenico guardando consigo uma das facas.

Nadya, alheia ao que acontecia com seu amado, estava longe dali. Ela observava o mosteiro à distância quando a comitiva chegou, sendo friamente recebida pelo Abade. O inquisidor chefe, Nicolau, era um homem de aparência tão fria e rude que qualquer homem, culpado ou inocente, se dobrava diante dele. Definitivamente não gostava de monges. "Laicos que recusam o matrimônio, responsáveis pela perturbação social." E os Templários - cavaleiros honrados com experiência militar em oito cruzadas, vestidos com seus majestosos mantos brancos, com a cruz bordada tão vermelha quanto sangue - faziam a segurança dos inquisidores.

Domenico foi encarcerado logo após as refeições, longe dos outros monges, o que lhe deu tempo para, sozinho e desesperado, recorrer a um ousado plano para salvar sua alma tão preciosa da perdição total. Quando ouviu o ranger das carroças, o povo gritando em histeria e os sinos dobrando, não teve mais como segurar suas próprias mãos.

Orando em silêncio, tomou a rústica faca que escondera, ergueu sua toga e, ajoelhado no chão, apoiou seu membro na madeira do catre. Ainda sentia os lábios profanos de Nahema, que acariciaram sua genitália horas antes, lambendo desde o escroto até a glande. Desceu então a lâmina com força, e gritou.

Aquele grito ecoou por todo o vale, e teve o poder de tirar um anjo de seu estado de graça. Nadya, sentada nos campos ainda se lembrando dos beijos doces que trocara com seu amado, teve um ligeiro mal-estar e pensou logo no pior. Ainda não tinha recuperado todos seus poderes divinos nessa encarnação, como o controle dos ventos. Correu em direção à Abadia, onde todos se reuniam para um espetáculo tétrico: uma enorme fogueira estava sendo preparada às pressas, por ordem de Nicolau!


VI - Aceitação

"Quem te ama?
Quem precisa de você?
Quem fará o melhor para te agradar?
Eu te amo, eu preciso de você
Eu caio de joelhos
Caminhamos em direção ao desejo
De mãos dadas
Por entre campos de fogo
Com apenas o amor para iluminar nosso caminho
Na estrada para o Dia do Julgamento"

Ela entrou correndo em meio à multidão que se amontoava na Abadia, alguns gritando, outros orando, pois o pesar por Domenico era geral. Nadya não sabia, não entendia o que acontecia. Tentava, com o coração apertado de aflição, se posicionar em algum lugar para saber os fatos, e só parou quando ouviu, da boca do Inquisidor, a punição destinada ao homem que amava:

"Que Irmão Domenico, fornicador e herege declarado, seja condenado à morte. Será queimado vivo em praça pública, pelo pecado de fornicação, contato carnal com demônios, entregue em praça pública ao julgamento das chamas!"

Nadya enfim avistou seu amado. Estava amarrado, ajoelhado, diante de um tribunal montado ao ar livre. Nicolau gesticulava, e apontava ameaçadoramente o dedo para ele, ainda proferindo mais palavras acusatórias, mas o anjo não ouvia nada, assim como também o monge, que a julgar pela esperança em seus olhos, tinha enxergado enfim a mulher. E foi como se isso o fortalecesse, pois pela primeira vez ele ergueu a voz contra seu arguidor:

— Devo ser morto por ter sido enganado por um demônio, quando todos aqui sabemos que esses seres só sabem fazer disso, todas as horas do dia? Sim, o diabo tenta essa abadia, daí sua santidade! - vociferou, e então Nadya enxergou a toga rasgada entre as pernas, e a abundância de sangue que vazava da virilha dele.

"O que ele está tentando fazer? Meu amor, o que houve?" - ela se perguntava.

— Seu doce monge caiu em tentação carnal. - respondeu Belial, parado atrás dela, bebendo prazerosamente do sofrimento do par de amantes.

— O que faz aqui, demônio? Começo a entender tudo. - ela sussurrou, em meio à gritaria da praça da Abadia. - Só não te mato aqui, maldito, por que...

— Porque não pode, minha pequena sem asas. E o que faço é apenas assistir um julgamento cruel e sanguinário que terá lugar, como toda essa turba violenta que aqui se encontra, e é a mim que você chama de demônio? - riu Belial.

Nadya calou-se, voltando suas atenções para o monge que sofria. Ouviu claramente um templário dizer a Nicolau que se cuidasse para não criar um mártir, pois o mulheril do vilarejo gritava em coro o nome de Domenico. O Inquisidor, impaciente, gritou:

— Você é muito benquisto entre as mulheres da região, irmão Domenico. Isso só comprova a semente da luxúria que carrega na alma, e agora marcada na carne. Tirem suas vestes, para que todos vejam as marcas do demônio! - então dois cavaleiros, usando as pontas das espadas, rasgaram os restos da toga do monge. Sua pele apareceu, toda arranhada, marcada pelas unhas de Nahema.

Ouvindo a exclamação geral, Domenico se encolheu envergonhado. Todos viraram o rosto para a nudez amaldiçoada dele, e os que antes clamavam que ele era santo, agora cuspiam e se persignavam com o poderoso sinal da cruz. Domenico ainda tentou a última cartada, carregando toda sua voz com fé:

— Sim, confesso que fui atacado por uma succubus, demônios que a Igreja bem conhece, e fui assim obrigado a me deitar com ela! Nunca iria de livre e espontânea vontade! Reconheço meu pecado, e meditando no claustro, sobre o evangelho de Mateus, amputei voluntariamente meu órgão genital, pois como está nas sagradas escrituras: "há eunucos que nasceram assim do ventre de sua mãe, há eunucos a quem os homens fizeram tais e há eunucos que a si mesmo se fizeram eunucos por amor do reino dos céus!"

— O que ele está tentando fazer? - perguntava aflita Nadya, impotente, vendo seu amado cair mais e mais em desgraça.

— Ele está perdido. O próprio Abade lhe virou as costas. Foi abandonado por Deus e por todos. Será que antes de morrer ele ainda vai entender? - resmungou Belial.

— Heresia! Mentiroso! O herético ainda evoca o santo nome de Mateus para se ver livre das chamas purificadoras! Queimem-no, por seus crimes contra Deus e à Igreja Católica Romana! - gritou o Inquisidor, para impressionar ainda mais a multidão que se aglomerava no local.

Dois homens colocaram Domenico na posição correta, antes de atearem fogo. Fez-se um silêncio estranho, que mexeu até mesmo com Belial, e todos ouviram a oração que partiu dos lábios sangrados do monge:

"Pater noster, qui es in caelis:

santificétur nomen tuum; advéniat regum tuum;

fiat volúntas tua, sicut in caelo, et in terra.

Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie;

et dimítte débia nostra, sicut et nos dimíttimus debiotóribus nostris;

et ne nos indúcas in tentatiónem; sed líbera nos a malo.

Amen."

Nicolau, agora sim vermelho de fúria, e vendo o efeito visível que o Pai-Nosso causou na multidão, disse calmante para um cavaleiro à sua direita:

— Se faz necessário prender a língua desse demônio. Amordace-o, em nome de Deus, para que suas palavras blasfemas não alcancem os ouvidos dos bons cristãos que acompanham a execução.

Nadya não sabia como salvar seu amado. A presença de Belial - o príncipe da luxúria e conhecido mestre das succubus - ali não era à toa. "Por que não adentra o pátio como um anjo de Deus, pequena, e o salva do fogo?" - ela escutou do demônio rir.

Antes de colocarem a mordaça em Domenico ele gemeu, quase uma prece, sabendo que Nadya escutaria e entenderia:

"Eu te amo, me liberte."

Foi o suficiente para o anjo invadir a praça de execução, trombando com sua força todos que tentavam pará-la, até cair ajoelhada diante do seu condenado amor: "Meu coração será sempre seu, Nadya. Sabe o que fazer, se me ama. Não me deixe morrer queimando!"

Quando ela cravou a mão no peito dele, buscando o coração do homem que tanto desejou, chorava lágrimas cristalinas. Nunca mais esqueceria aqueles olhos azuis, que ficaram opacos quando ela arrancou seu órgão vital. Nicolau gritava que "não queria mártires", enquanto o mundo parava por um segundo, o suficiente para o último beijo, que teve apenas o gosto de sangue.

Mas Nadya não se salvou também. Uma lança templária, sagrada de tantas batalhas contra os "inimigos de Deus", trespassou seu peito, imobilizando-a, e ela caiu, tombando no chão ainda com as mãos rubras, segurando o coração de seu amado Domenico.

Viu o derradeiro sorriso de Belial, parado na multidão, e quando todos gritavam "matem a bruxa", dois outros templários lhe atravessaram com suas espadas, e ela, já sabendo que como anjo renasceria de novo, e de novo, apenas rezou para encontrar novamente o amor na próxima vida...


VII - Fim

"Então não se preocupe, baby
Na estrada para o Dia do Julgamento
Quem te ama?
Quem precisa de você?
Na estrada para o Dia do Julgamento
Então eu te amo, e preciso de você
Meu amor pode abrir qualquer porta..."

— O que é esse embrulho ensanguentado que leva nas mãos, querida?

— O anjo ficou com o coração de Domenico, e eu preferi ficar com as partes pudendas dele. O membro decepado de um sacro monge. Você sabe, na antiguidade eram esses poderosos fetiches de carne que davam poder à Átis e Astarte. - respondeu Nahema.

O senhor de Sodoma sorri, concordando, e então eles descem para as profundezas.


Comentários do autor

A letra de música que acompanha o conto é "Judgement Day", do Whitesnake.

"Egrégora" foi publicado originalmente em 23.05.03. Reescrito em 2012 para o relançamento do site.


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