"Apontando para o céu sobre mim
Dig up her bones - Misfits
Eu não posso continuar aqui sozinho
Caminhando por entre o cemitério
Desenterrando os ossos dela"
#9
Ladra de corpos - parte 1
Ronnie estava saindo de casa para trabalhar. Saía cedinho, manobrando o carro na garagem. Como sempre, sua vizinha estava chegando naquele horário. Ela morava na casa em frente, e adorava caminhar pela manhã. Usava uma roupa colante própria para isso, o que a deixava mais bela ainda.
Porém, sempre que a olhava com cobiça, Ronnie lembrava-se de Heather, sua esposa, que ele amava mais que tudo. Mas apesar do amor, era inegável que a vizinha lhe despertava desejo. Era mais velha que Heather, mais bonita e solteiríssima.
Engraçado... Um amigo de Ronnie comparava o casamento a uma ida ao restaurante: o prato principal da mesa ao lado sempre é mais agradável e apetitoso que o seu. E ela já tinha lhe lançado olhares maliciosos antes. Olhares que não teve coragem de retribuir, pois era casado e gostava de ser fiel à Heather.
Porém, naquela manhã, Ronnie olhou mais do que o normal para sua vizinha. Se imaginou lambendo o suor que escorria por todo o corpo daquela bela mulher. Sorrindo, balançou a cabeça afastando a ideia, e deu partida no carro. O dia seria duro.
E foi. Mais do que o normal. Tão atribulado, que esqueceu completamente de sua vizinha. Mas não da esposa. Às vezes, ele dizia a si que estava se matando de trabalhar por ela. Mas sabia que era o correto a fazer. E esse pensamento aliviava a tensão.
Quando o dia chegou ao fim, Ronnie só queria beijar sua esposa. Ia direto para casa, mas antes passaria num lugar para comprar uma agradável surpresa a ela.
Heather estava feliz. Fazia poucos meses que moravam em Sistinas, e as coisas começavam a dar certo. Ela ainda não trabalhava, mas ele já estava estabelecido em um bom emprego, então era questão de tempo para as coisas se ajeitarem de vez! Ainda não tinha filhos, mas com a estabilidade financeira o desejo de se tornar mãe seria facilitado.
Sorrindo, ela tirou o jantar do micro-ondas, e já aprontava a mesa, pois seu marido chegaria em minutos. Ela já quase podia ouvi-lo, com suas frases irônicas sobre como hoje em dia as pessoas recebem mensagens de anjos via WAP em seus celulares e também o horóscopo, que os textos são reprisados após alguns meses, e que existem idiotas que conseguem ler e acreditar naquilo tudo. O cliente que ele visitaria hoje trabalhava com todas essas coisas.
Aliás, Ronnie não gostou do clima de Sistinas quando se mudaram. A cidade tinha fama de ser mística, cheia de lendas de vampiros, bruxas e seitas sanguinárias, mas Heather não a via assim. Era uma cidade comum apenas tão perigosa quanto todas as outras por onde eles já haviam passado.
"Ronnie está chegando. Ele sempre chega às sete!"
Quando alguém bateu na porta, não perguntou quem era, e simplesmente abriu. Um estranho homem olhou para ela e a jogou no chão. Antes mesmo que pudesse reagir, ou gritar, ele fechou a porta atrás de si, e caiu em cima dela.
— Socorroooooooooo!!! Saia daqui!!!
O homem sorriu, faltando alguns dentes na boca, e deu um murro na cara dela.
— Se ficar quietinha, em quinze minutos já terei ido embora. Se gritar de novo, te mato. Dizendo isso, ele mostrou um revólver. Quando Heather tentou correr em pânico, ele a agarrou pelas pernas, e começou com sua diversão.
A mulher se debatia, e ainda de pé tentava escapar dele, mas também sabia que não podia enfurecê-lo. Não sabia direito o que fazer. Foi quando ele desceu a saia dela, e começou puxar a calcinha pelas pernas abaixo.
— Isso eu quero para mim. - e pegou a calcinha dela do chão. Passou pelo rosto, como um alucinado, e cheirou. Seus olhos reviraram, e Heather percebeu que ele estava no auge da excitação, pelo volume que de repente se formou dentro das calças sujas do homem.
— Por favor, não me machuque... Eu lhe dou o que quiser... Temos dinheiro...
— CALADA! Fica quieta, porra! Você sabe bem o que eu quero. Todas vocês sabem!! Sempre souberam!
Heather assustou-se mais ainda, seminua e indefesa. Ele a derrubou no chão, voltando a empunhar arma, e a calça dele caiu. Não usava cueca por baixo, então o membro saltou batendo nas coxas dela. Um cheiro forte de urina e esperma queimou suas narinas. Era nauseante!
Ele afastou as coxas de Heather, e a penetrou, em uma única estocada, e gritou feliz! Começou a tentar beijá-la, e ela desviava o rosto, evitando. Então ele cuspiu uma, depois duas vezes, enquanto enfiava tudo com força. Mexia freneticamente em cima de sua vítima, e gozou rapidamente. Heather odiou sentir o esperma dele.
O estuprador então a jogou de lado, e para se excitar novamente, ficou esfregando o cano do revólver pelo corpo dela. Começou a insinuar que a penetraria com o revólver mesmo, e sorriu alucinadamente.
"Ronnie onde está você? Esse homem vai me matar! Deus, me ajude!"
Violentamente, o homem a colocou de quatro, e então a penetrou de novo. Enfiava com mais força do que o necessário. Heather pensava apenas que morreria, mas tinha a esperança do marido chegar e a salvar. A porta estava só encostada. Ouviu então que o estuprador estava chupando algo, fazendo um barulho obsceno com a boca. Ela criou coragem e olhou para trás... O maluco estava chupando o cano da arma! Quando ele abriu os olhos, a pegou pelos cabelos e bateu sua cabeça na parede, gritando:
— Não olhe para mim, vadia! Se olhar de novo te mato!!!!
Ele continuou metendo, mais forte do que antes. A cada estocada, Heather se apoiava mais firme para não cair. Agora tudo doía, sua cabeça, os cabelos que ele puxou, o rosto que ele esmurrou. Achou que já estava sentindo dor suficiente. Com medo de olhar para trás, passou apenas a sentir e tentar adivinhar o que o maluco estava fazendo. Tremeu quando sentiu algo metálico roçando seu ânus. "Não"...
O estuprador sorriu, e afastou as nádegas dela, ainda enfiando o pau ritmadamente. Antes que a mulher pudesse emitir qualquer som, sentiu seus dois buracos preenchidos violentamente... E então Heather gritou muito!
Ronnie estava ligeiramente atrasado. "O que são quinze minutos numa cidade grande como esta?" Heather já deve estar com o jantar esfriando, mas paciência. Estava num sex shop no momento, comprando algumas novidades para apimentar as noites de sexo com sua esposa. De repente, lhe passou pela cabeça que estava fazendo aquilo como uma compensação por desejar a vizinha pela manhã. Mas afastou a ideia. Certa vez, Heather mencionou algo sobre querer um vibrador, para tentar uma dupla penetração. Será que ainda queria?
Heather estava caída no chão, dolorida e humilhada. Suas nádegas estavam vermelhas, de tantos tapas que levou. Suas carnes ardiam, tanto por dentro quanto por fora. O estranho agora estava de pé, forçando-a chupá-lo. Heather olhava com nojo, se recusando, mas fraca demais para resistir quando ele a pegou pelos cabelos.
Sentia o gosto agridoce do esperma, e algo de sangue, e tentava não pensar no que poderia estar sangrando. Só pensava na dor. Passaria muito, mas muito tempo sem sentar direito...
— Agora, vaquinha, que já deixou eu fazer tudo, já mamou e limpou meu cacete, está na minha hora. Sabia que posso voltar? - ele jogava com o medo dela, sorrindo.
Heather estava ajoelhada, presa entre as pernas dele, que posicionou o revólver apontado para o centro da testa dela e sorria. Foi quando a porta se abriu, e Ronnie entrou, assustado.
Instintivamente, o estuprador disparou dois tiros que abriram a cabeça de Heather. Quando ele conseguiu raciocinar direito, apontou o revólver para Ronnie, e atirou mais uma vez, mas errou. Ronnie correu para fora, gritando.
O estuprador correu também para fora da casa e fugiu a pé. A polícia só chegaria no local vinte demorados minutos depois...
Cemitério de Sistinas, dois dias depois.
Ronnie já tinha enterrado sua esposa no dia anterior. Ainda estava sem saber direito o que fazer com sua vida. Naquela manhã após o incidente, chegou a pensar em suicídio. Agora, sozinho em frente à lápide de Heather, apenas chorava. Chorava muito.
— Eu estou desesperado. Como eu queria poder esquecer você, Heather, e encarar isso friamente como um homem de verdade. Mas não esqueço seu jeito de me olhar, o calor da sua boca, o conforto do seu corpo, sua voz quando você me chamava de Ron. Faz três dias desde que você disse isso pela última vez, mas eu ainda te ouço!
Ronnie soluçou alto, e olhou para os lados novamente, para ter certeza de que estava sozinho.
— Por Deus! - continuou - Não é justo, porque você teve que morrer, e ainda dessa maneira tão cruel! Deus... Se existisse mesmo, não permitiria que as coisas acontecessem assim!!
A chuva começou cair mais forte. Estava sozinho, mas quando disse outra vez "te amo", a lápide... respondeu? Estaria louco? Não, não a lápide. Era um homem, que estava de pé atrás dele:
— Eu posso trazê-la de volta.
— Respeite minha dor, seu lunático. Acabo de perder minha esposa, e estou sofrendo. Saia daqui agora mesmo.
— Eu entendo... Por isso, lhe aviso. Enquanto ainda é recente, posso trazê-la de volta. Se demorar muito, não será mais possível. A alma dela estará mesmo perdida.
Ronnie olhou para trás, devagar, e o que viu foi um idoso, estranhamente vestido. Usava uma capa de chuva por cima de algo que parecia ser uma toga, não sabia ao certo. O estranho lhe estendeu um cartão:
— Se mudar de ideia, se quiser sua esposa de volta. - dizendo isso o velho foi embora.
Ronnie leu rapidamente o cartão, e, perturbado, o guardou no bolso molhado. Voltou para casa, que nunca mais seria a mesma sem sua esposa.
Passou o resto do dia letárgico, sem saber direito o que fazer. Até que de repente percebeu que não haveria mal algum em tentar trazer sua esposa de volta, seja lá como fosse. E como o velho mesmo tinha dito, não havia tempo a perder!
Procurou pelo cartão, que não continha nenhum telefone. Só um endereço. Ronnie vestiu uma roupa pesada contra a chuva que ainda caía, e saiu, decidido a encontrar o velho.
Quando chegou no endereço indicado, sentiu medo. Era um galpão mais do que abandonado. Ruínas do que parecia ter sido uma próspera fábrica outrora. Mas agora Ronnie estava ali. A que ponto tinha chegado na obsessão de ter sua Heather de volta!
— Venha! Por aqui!
Ronnie viu o senhor no andar de cima, e passou pela escada semi-destruída. Ele estava lá, sentado, vestido com sua toga e um ar de falsa sabedoria no rosto. "Posso mesmo trazê-la de volta. E você, sendo um homem tão cético, sabe que falo a verdade."
O velho não abriu a boca, mas Ronnie pensou ter ouvido aquilo. Estava enlouquecendo?
— Sem mais demoras, vou te explicar. Se concordar, ótimo. Se não, suma daqui e esqueça que me viu. Compreende?
— Sim, velho. Estou disposto a tudo.
— A tudo? Que interessante! O amor é mesmo uma força construtiva... ou destrutiva!
— Que devo fazer? Sei que não há mais volta. Diga logo!
— Precisa de um corpo. O corpo de sua esposa está mutilado, e não servirá mais. Ache um corpo de seu agrado, e traga-o para mim. Eu colocarei a alma de sua esposa nele. Só isso.
Ronnie pensou um pouco, em silêncio. Após alguns segundos, murmurou "sim".
— Você precisa matar essa mulher. O corpo deve estar morto, assim a alma de sua esposa se acomodará sem maiores traumas. Ache um jeito de matar a carne sem mutilar, pois será usada por sua amada. Agora vá.
Ronnie saiu dali ainda pensando a respeito. Deveria destruir uma vida, para ter de volta outra. Valeria à pena? Sim, SIM! Estava obcecado, e acreditava que aquela era a única chance. Tinha que tentar, tinha que amar Heather novamente!
Voltando para casa, lembrou-se da vizinha. Era solteira, e morava sozinha. Sem contar o corpo malhado que atiçava a mente de Ronnie. "O velho quer um corpo? Então terá o melhor que eu poderia arranjar!!" Achou a vítima perfeita!
A vizinha estava dormindo. Luzes todas apagadas na casa, rua deserta, típico pelo horário. Já era tarde. Se bem que em Sistinas Ronnie percebia que não precisava ser muito tarde para as pessoas se recolherem. Bateu decididamente na porta. Não tinha mais volta a partir daquele ponto. Estava condenado.
Esperou impaciente alguns minutos, até que uma luz acendeu na sala. Ronnie ainda olhou para si. Estava um trapo! Olheiras horríveis no rosto, roupa amassada... Causaria uma péssima impressão naquela deusa.
Quando ela abriu a porta, olhou penalizada para Ronnie:
— Meu vizinho... Olha, eu sinto muito. Soube da morte de sua esposa. Eu posso ajudá-lo em alguma coisa?
Ronnie nunca tinha ouvido a voz daquela mulher. Por um desses milagres de cidade grande, moravam na mesma rua, mas nunca tinham conversado. Assim tão de perto, era mesmo perfeita. E que voz!
— Vizinho? Diga. Você não parece bem. Por que não entra?
Ronnie emudeceu por não saber o que fazer. Fraquejou por um instante, mas quando ouviu o convite, entrou rápido pela porta.
— Sente-se - ela disse, apontando o sofá da sala - Sei como se sente. Perdi meu noivo num acidente, uma semana antes de nosso casamento. Sofri com isso, e não quis mais saber de relacionamentos. Quer chá?
— Sim, seria bom. - ele respondeu, abrindo a boca pela primeira vez.
Quando a mulher saiu da sala, Ronnie afundou-se em pensamentos negros. Como a mataria?
— Prontinho! Chá quente. Espero que você aprecie.
Alguém apagara as luzes, e a sala estava escura. Sem luz alguma, nem a da rua, pois as pesadas cortinas estavam fechadas. Ela procurou por Ronnie, mas não o enxergou em lugar algum.
— Onde está você? - ela perguntou, em voz alta.
De repente, um saco plástico envolveu sua cabeça. Ela deixou cair a bandeja das mãos, e se debateu muito. Tentou chutá-lo, arranhar o rosto dele, as mãos, e também respirar. Mas não conseguiu. Tudo levou cerca de um minuto e meio.
O velho já estava com tudo pronto. Símbolos desenhados no chão, coisas que Ronnie só tinha visto antes em filmes. Era fantástico demais, mas precisava acreditar naquilo!
— Hummm, bela moça você arranjou. E a matou de maneira impecável. O corpo está intacto. Sabe, você tem instinto assassino, meu rapaz!
Ronnie resmungou algo, e sentou-se no canto da sala imunda. O velho vestiu novamente sua toga ritualística, acendeu muitas velas, e pediu silêncio e paciência. Colocou o cadáver da vizinha no centro do círculo desenhado no chão, e começou a resmungar. A princípio, o tom de voz era de pedido, depois um tom ameaçador... Ronnie ignorava a língua que ele falava.
Após horas de cânticos, orações e blasfêmias, Ronnie já tinha ficado triste, depois conformado, já tinha chorado, mas agora ria histericamente daquela situação tão macabra. Afinal, tinha matado sua deliciosa vizinha, e agora estava sentado no chão de um depósito abandonado, olhando para o corpo morto dela, e para um velho que cantava sem parar.
Ronnie ainda estava sorrindo quando o velho deu um grito horrível, e então o cadáver da vizinha se levantou...
Continua em Ladra de corpos, parte dois
Comentários do autor
O que me levou a escrever esse "Ladra de corpos" foi a idéia de que às vezes, para montar uma pessoa perfeita (que não existe) pensamos em colocar as virtudes de uma no corpo de outra.
Foi publicado originalmente em 11.10.01.