"Ora, em primeiro lugar, é necessária muita força de vontade para sair da mesa ainda com apetite; enquanto essa necessidade persiste, um bocado atrai outro com uma atração irresistível, e em geral se come enquanto se tem fome (...)"
Brillat-Savarin
#50
Mastigadores
O garçom é obrigado a usar avental e o grande desafio diário consiste em mantê-lo limpo e livre das manchas de molho enquanto serve os clientes. Trabalha num pequeno quiosque - "Jean Anthelme" gastronomia - numa via lateral e pouco movimentada do shopping. Apesar do nome pomposo, o estabelecimento não tinha nada de "haute cuisine" e, na verdade, pertencia a um senegalês malandro.
Naquele dia ele divisou pela primeira vez a mulher que ocuparia sua cabeça dali pra frente. Usava uma jaqueta chamativa e provocante, tom vermelho-ketchup. Metida numa calça amarelo-mostarda, ela rebolou graciosamente o traseiro por entre as mesas e cadeiras. A calça agarradíssima delineava todas suas curvas, terminando num tênis cano alto também cor de ketchup, mas um vermelho desbotado de ketchup diluído e de má qualidade.
— Posso ver o cardápio? - ela tinha aquela voz macia da moça de previsão do tempo do rádio e a ruivosidade de seu cabelo lembrava Pepperoni.
O "cardápio" era uma única folha acartonada plastificada, com as comidas na frente e as bebidas, brownies e muffins no verso.
— Aqui também servimos lanches extra naturais pra quem quer desintoxicar a glândula pineal. - ele repetiu as palavras que o senegalês malandro lhe ensinara. Nunca soube o significado daquilo, assim como ninguém nunca tinha questionado também.
Ela fez um "ok" retorcendo a boca exageradamente e apertando os olhos, fixando-os num ponto no nariz dele. Estaria sujo? Não, sabia que não, mas ela deteve o olhar ali por alguns segundos ainda. Então, na dúvida, ele se esfregou com a mão enluvada. Ela girou impaciente o cardápio até encontrar os lanches. Sua unha do indicador tinha a mesma cor do suco de goiaba em polpa, e com essa unha ela apontou alguma coisa com muçarela de búfala para comer. Sentou-se na mesa mais afastada dele. Tirou o fone da bolsa e ligou para uma amiga, contente por ser aprovada numa entrevista de emprego ali mesmo dentro do shopping.
E ele preparava o recheio do lanche, feliz por ela - daquelas pequenas felicidades bobas e despretensiosas que a gente sente algumas vezes durante o dia - quando escuta uma bronca:
— Ei, vai demorar muito? Qual seu problema? É só um lanche, não é a santa Ceia!
A grosseria o enfureceu. Piorou ao escutá-la sussurrando ao celular: "Ah, o cara aqui da lanchonete. Deve ter retardo mental, sei lá."
Levou o lanche para montar perto do micro-ondas e, protegido pelo quiosque, deu uma cusparada em cada pão. Também meteu o dedo dentro do nariz e misturou a pasta esverdeada toda no recheio.
Ela sorria - ligando para outras amigas com a mesma alegria - até o momento em que seu prato pousou na mesa. Ela fechou a cara e partiu pra uma nova rodada de reclamações contra ele.
O pedido nem tinha demorado tanto assim, mas ele nem quis argumentar. Aquela coisa de o cliente sempre ter razão. O caralho que tinham!
Nesse meio tempo outras mulheres chegaram ao estabelecimento. Uma delas tinha o cabelo com a textura e o brilho de um bicho de pelúcia. Quando parou para anotar seus pedidos, ela lhe disse:
— Aquela moça... Ela não é pro seu bico, rapazinho.
Ele sorriu amarelo para a intrometida. Além de intrometida, a mulher ia mudando de ideia várias vezes durante o pedido. Queria combinações e ingredientes inexistentes no menu, ao ponto de irritar as próprias amigas, cujos pedidos ele já tinha anotado.
"Um monte de mulher com a bunda quadrada de tanto trabalhar sentada. Trabalham vendendo produtos caros que elas próprias não consomem. Eu não, eu posso comprar um lanche desses que monto, mesmo o mais caro deles." - pensava consigo, quando a mulher da jaqueta de ketchup lhe acenou o cartão de débito. Ela pagou a conta e foi embora, deixando mais da metade do lanche no prato.
— Vê se hoje capricha, hein?
Na segunda vez em que a atendeu, sua voz já não era mais tão doce quanto na primeira. Seus cabelos não estavam mais tão acerejados e a jaqueta espalhafatosa tinha sido trocada por um uniforme preto-básico-vendedora-de-loja, com o preto da calça destoando do não-tão-preto-assim blazer. Ele escondeu-se pelo quiosque, lambendo o pão integral do lanche dela. Excitou-se demais com aquilo. Espremeu uma de suas espinhas, uma bem reluzente, adicionando o resultado pastoso ao lanche.
— Mmmm, hoje foi mais rápido. Parabéns. - ela resmungou, rude, enquanto mastigava.
Ele sorriu de volta, aquele sorriso que todo cliente-que-tem-razão merece. Na próxima vez esfregaria os pães nas axilas. Ou no saco?
Na décima sétima vez ele já tinha feito todas as coisas nojentas que podia imaginar antes de servi-la, e mesmo assim seus desejos não diminuíam. Era tão excitante a ideia de estar, de alguma forma, dentro da boca dela...
— Ainda tem daquela muçarela de leite de búfala? - ela perguntou enquanto dedilhava distraidamente seu celular. Já não se sentava tão distante quanto da primeira vez.
— Sim, mas vai demorar um pouco o preparo. Você pode esperar?
— Posso né, fazer o quê? Mas não tenho a tarde toda.
Aquela mulher mexia com ele de todas as maneiras possíveis. A falsidade que mal disfarçava em suas conversas, a futilidade, a grosseria para com ele... misturadas naquela expressão de puta blasé de capa de editorial de moda. Devia ser tão gostosa quanto chata na cama. Ele nem precisou se masturbar. Assim que baixou o zíper, um líquido deslavado já molhava sua cueca. Esfregou-se na textura do pão rapidamente, amando e odiando aquela mulher sentada a poucos metros dali, a adrenalina a mil. Encharcou os pães com seu visco brancacento, quase sem conseguir controlar os tremores que sentia, uma mistura absurda de tesão e raiva.
Ela reparou por um segundo nas pupilas dilatadas dele, antes de mergulhar de novo no celular. Perguntou sem olhar:
— Você está bem? - foi a primeira vez que FALOU com ele como uma pessoa, e não como "o garçom com retardo".
— Sim, espero que o lanche esteja de seu agrado.
— Hummmm delicioso! O que tem aqui?
Ele abriu a boca para gaguejar, a respiração acelerando inversamente aos batimentos cardíacos, que diminuíam... como na tarde em que sua mãe o flagrou se masturbando depois de adulto.
— Ah tá, já sei. É receita secreta, algo assim, né?
É. S...sim, é isso mesmo! - sua voz escapou baixa e nervosa. Fugiu da presença dela, para a parte de trás do balcão, para longe daquele mundinho dela de comer e checar mensagens no celular. De lá esticava o pescoço, arriscando um espiadinha, quando ela se descuidou, deixando o molho escorrer pelo queixo. Enlouqueceu com a visão dela resgatando o molho com o indicador, devolvendo-o aos lábios. Imaginou-se gozando no rosto dela e depois brincando com a consistência do esperma, passando os dedos por aqueles lábios. Ela paralisaria o rosto com nojinho, a porra colando em sua pele, ela tentando reclamar sem mexer muito a boca com medo de sentir o gosto...
Foi com muita força de vontade que conseguiu controlar a ereção quando ela se aproximou para pagar a conta. Acompanhou cada passo da musa com o olhar guloso e vidrado, até ela desaparecer por entre a multidão do corredor lotado. Decidiu naquele instante, intoxicado de tesão e adrenalina, que queria vê-la comendo um pedaço seu.
A praça de alimentação do shopping fechava uma hora depois das outras lojas. Sempre reclamara daquilo, mas agora preferia assim. Tinha medo de encontrá-la pelos corredores sem sua roupa de garçom. Sabia que ela não o reconheceria. Pior: tinha certeza de que ela o ignoraria.
O último cliente daquela noite foi um homem de bigode que apareceu pedindo "um lanche normal sem viadagens". Enquanto preparava o lanche mais simples do cardápio, o estranho abriu sua sacola de compras e tirou um binóculo dela.
— Trabalha muita mulher gostosa nesse lugar, hein chapa? Cada delicinha... até tarde. Tem uma sardentinha ruiva a dois corredores daqui, coisa de louco.
Ele meneou a cabeça, concordando. Muitas mulheres bonitas mesmo. Devia ser a região. - falava coisas assim enquanto afastava o binóculo do cliente, abrindo espaço na mesa para colocar o prato e o suco de laranja "sem açúcar, putaqueopariu!".
— Quer ouvir uma piada, parceiro? - o estranho perguntou, lambendo a maionese dos lábios. Sem esperar resposta, contou a de um velhinho meio surdo que estava no médico. O geriatra disse que precisava de amostras de urina, fezes e esperma. O velhinho não ouviu direto.
— Aí a velha olhou pro marido e disse bem alto: Ô véio, ele quer sua cueca! - ele terminou, gargalhando bem mais do que a piada valia. Já devia ter contado aquela muitas vezes, e mesmo assim ainda ria no final. Farelos de pão saltaram de seu bigode.
— Hahahahaha, cueca! - o garçom repetiu, mais para indicar ao estranho que tinha entendido a piada do que achando graça.
— Sabe o que é a vida, parceiro? - o cliente perguntou após terminar o lanche - A vida é você ficar olhando pra uma gostosa e de repente perceber uma SUPER gostosa te olhando, mas já te odiando, pois você estava olhando pra outra gostosa lá.
— É verdade. - limitou-se a concordar com aquela profunda filosofia. Soltou uma risadinha pra acompanhar.
— Tá rindo do quê? - o estranho perguntou trincando os dentes, tomando o cartão da mão dele após a máquina processar o débito - Põe uma dentadura no rabo e sorri pro caralho.
"A última grosseria do dia" pensou, de certa forma agradecido. O estranho já ia longe ao corredor.
Mais tarde, quando o shopping enfim fechou, ele correu ansioso para chegar logo em casa. Ainda estava apaixonado pela ideia de cortar a própria carne. Correu tão alucinadamente pelo estacionamento que nem percebeu o carro escuro na rua lateral lá fora. Nem o bigode e seu binóculo dentro dele.
Tinha escolhido uma fatia pequena da palma da mão. Mal dormira, tamanha a excitação. Cortou-se, congelou o pedaço de si que daria a sua musa, e fez o curativo que agora escondia sob a luva descartável. Foram horas intermináveis até ela aparecer em seu horário de sempre: 13:35. Podia acertar um relógio pela rotina dela.
— Boa tarde, prepara algo bem saboroso pra mim que você já conhece meu gosto e...
Ela continuou falando, mas ele deixou de ouvir, de acompanhar. Só lia nos lábios rosados e brilhantes dela a palavra SABOROSO repetidas vezes em câmera lenta.
— Oi? Está aí?
— Ah, ah... sim, sim. Tenho uma carne especial que veio de fora. Com molho barbecue, pode ser? - a palma da mão formigava e coçava por baixo da luva.
Algum Deus antigo da fome deve ter entrado em ação ali, naquele momento. Ela aceitou muito bem a sugestão. Ele virou-se para o grill elétrico e depositou seu pedaço ali, como se fosse um pequeno altar improvisado. Olhava sem expressão para a própria carne grelhando.
Fez uma mesura exagerada ao servi-la, minutos depois. Estava se ofertando a ela que, alheia, levou-o aos lábios. Mordeu o pão, a alface, picles, o tomate bem fresco e cheiroso e seus dentes enfim atravessaram a carne macia, bem temperada, no ponto certo.
— Isso aqui está... mmmm... gostosinho. Divino! - virou o prato para o lado oposto, escondendo a mordida. Depois ajeitou a mesa cuidadosamente e tirou uma foto do lanche. Às vezes os clientes faziam aquilo, e ele nunca entendia bem o porquê.
"Bom, ninguém deve fotografar lanches ruins, né?"
Ela não se dirigiu mais a ele. Devorou todo o lanche em silêncio, entre mastigadas e risadinhas abafadas, olhando para o celular. Parecia que a foto estava rendendo comentários. Apesar de estarem a apenas uma mesa de distância do outro, ela nem percebia a presença dele.
Ele, além do comichão na mão, sentia-se vazio. Estava dentro dela, completara o ritual. E agora? Que faria dali para frente? Cortaria da outra mão? Uma fatia maior, talvez?
O homem do bigode cofiava a barba, consultando o horário na luz azulada do painel do carro: 22 horas. A ruiva apareceu na porta do shopping 4 minutos depois, o máximo de atraso que se permitia. Nunca falhava. Ele acertara seu relógio pela rotina dela.
"Não são adoráveis essas mulheres modernas? Sempre apressadas com seus saltos altos. Absortas, checando celular e, ao mesmo tempo, equilibrando a bolsa no outro braço." - pensava, enquanto descia do carro. Quando dobrou o braço para trancar a porta, sentiu a umidade - nervosismo líquido - do suor na manga da camiseta na parte interna dos cotovelos. Girou os calcanhares, agora não tinha mais volta: caminharia até a curva deserta onde cruzaria com ela.
Esteve ali dezessete vezes no último mês, analisando. Numa delas, uma quarta-feira, demorou 42 minutos para passar uma segunda pessoa por aquele caminho. Era perfeito para o bote, para o ataque, para a... COISA.
Sim, grandes cidades tem esses "buracos" em sua estrutura. Locais quase invisíveis às pessoas tão ocupadas com suas vidas, com suas contas a pagar. Sistinas era plena deles, desses "vazios". Aquela curva deserta era um desses portais, onde o inferno tocava os humanos, onde demônios dançavam, se divertiam... e abordavam suas vítimas.
No momento em que ela percebeu uma presença apressada e levantou a cabeça do celular já era tarde demais. Quando o homem do bigode olha para ela, ela SABE o que ele vai fazer. Descobre durante o perturbado contato visual. Confusa entre largar as coisas ou não, ela perde segundos preciosos que farão diferença no jogo da sobrevivência. Ainda assim começa a correr, o olhar assustado e apalermado. O homem joga a mão para a frente, esticando até seus dedos ansiosos e trêmulos encontrar algo. Não sabia se estava puxando os cabelos vermelhos dela ou um cachecol, mas a moça se enrola na corrida, perde um dos saltos e vira presa fácil. Ele abraça o pescoço dela, arfando ansioso. A ruiva coloca as mãos entre os braços do homem e seu próprio pescoço, adiando o aperto que a imobilizaria. Lembra de pisar nele, mas, confusa, usa o pé que perdera o salto. Ela só machuca o próprio calcanhar no homem que, rindo, consegue enfim vencer a batalha, sufocando-a.
Sem mais apoio nem forças para pisar, a mulher joga desesperadamente os braços para trás, tentando acertar a virilha do agressor. Lembra de que não pode gritar "ajuda", pois isso só afasta as pessoas que poderiam ajudá-la.
— Não-não-não-não-não-não-não-não-não! FOGO, FOGO!!
Aquilo só diverte mais o agressor, mas ela consegue acertar o saco dele com bastante força. Ele dobra com a dor e perde a ereção, mas não a solta inteiramente. Ela tenta se desvencilhar e quando vira de frente, ele a empurra para o chão.
— Sua vaca filha da... - o homem cai logo por cima, apertando a mão na boca da vítima, trancando seus gritos por socorro - Cabelo de fogo dos infernos, vou te ensinar...
Os olhos dela se afogam em lágrimas desesperadas. Suas unhas frenéticas riscam o ar, depois o antebraço dele. Tentam alcançar o rosto de bigode, puxar seus cabelos. Por aquela audácia o homem resolve que cortará todos os dedos dela após a diversão. Não quer que os policiais encontrem resíduos de sua pele embaixo daquelas unhas bem pintadas.
Ele sente a primeira mordida na palma da mão, mas ainda é uma dor aceitável. A puta mordia forte. Quebraria aqueles dentes um a um.
A segunda mordida é quase insuportável. Piranha. A terceira rasga sua carne e o sangue jorra, morno. Incrédulo, ele tenta se soltar da boca que mastiga e mói seus músculos tenares. Seu polegar morre, acaba de perder os movimentos dele pra sempre. É sua vez de gritar.
Ao longe aparece um casal e outro logo atrás deles. O homem de bigode cai, ensanguentado. Está em choque e a mulher ainda mantém a mão dele na boca, ainda desfia músculos entre os dentes raivosos. As quatro pessoas se aproximam com aquela curiosidade mórbida e, ao mesmo tempo, covarde que move a humanidade.
— Mas o que que...? - diz o primeiro rapaz, até perceber que tudo aquilo é sangue. A namorada saca o celular para filmar.
— Larga ele sua maluca! - grita o segundo casal. Um dos seguranças do shopping aparece imediatamente, cassetete em punho. O mundo do homem de bigode vai escurecendo conforme o brutamontes corre em sua direção, até apagar por completo.
Quando abre os olhos novamente, o bigode está numa sala de espera de hospital. Sozinho, largado numa cadeira de rodas, seu primeiro impulso é procurar pela mão atacada, agora enfaixada. Ele tateia a bandagem úmida e avermelhada e cutuca o dedão morto. À sua esquerda uma mulher hiperbólica reclama de tudo. Da fila, do calor, da lentidão do atendimento. Da própria pele ressecada. Do celular que não tem sinal para fazer ligações. Do marido ciumento que vai pensar que ela tava com outro homem. O bigode gira a cabeça para a direita, e um velho está reclamando que o pedreiro não está usando as ferramentas certas na reforma de sua casa.
— Ei, ei cara, olha isso.
Antes que o bigode possa ignorar, o homem à sua frente se curva, mostra-lhe algo na tela de seu celular e começa a ler:
— ... 22 anos, agrediu e estrangulou um cachorro após consumir maconha sintética em Waco, Texas. Em seguida, ele mordeu o cão, arrancando pedaços de carne...
— Puta merda cara, sai daqui! Nem acordei direito, que merda! - Nesse momento uma enfermeira repara que ele está acordado em meio aquele mar de pessoas rabugentas e vem buscá-lo para ser medicado outra vez.
— Não precisa me empurrar, estou bem. Tenho pernas. É só minha mão que está machucada.
— Senhor, fique sentado por favor. Estamos cheios nessa noite e parece que a cidade enlouqueceu. - ela se abaixa na direção dele, descendo o volume da voz junto - Chegou uma mulher com pelos e fiapos de carne de cachorro nos dentes. Ela atacou o próprio poodle de estimação. Mastigou, dilacerou o bicho. Veio sedada pela polícia.
— Que merda é essa que você está me contando? - sua mão agora formigava - E aquele cara do celular falando de gente mastigando cachorro...?
— Os vizinhos dizem que ela tinha esse cachorro há nove anos. Senhor, por favor, fique sentado, senhor.
O homem de bigode grunhiu baixinho. Estava irritado e querendo sair dali o mais rápido possível. E se a polícia aparecesse ali querendo saber o que tinha acontecido? A enfermeira continua falando da porra da mulher louca e seu poodle mastigado enquanto preparava um medicamento intravenoso para ele.
— Senhor, esse remédio pode dar uma leve coceira nos genitais, ok?
Mais um grunhido como resposta. Quando ela colocou a mão no ombro dele para tranquilizá-lo, ele a atacou e mordeu entre o polegar e o indicador dela, o primeiro lugar onde seus dentes se encaixaram com firmeza. A enfermeira gritou e ele percebeu que tinha cometido um grande erro. Saiu em disparada pelos corredores, empurrando todas as pessoas em seu caminho. Devia ser perto das três da manhã quando enfim alcançou a calçada e sentiu a brisa da madrugada no rosto. Não parou de correr, nem olhou para trás.
Devia ser perto das sete horas quando a enfermeira chegou em casa. Uma luz fraca emanava do seu quarto. Imaginou que seu namorado tivesse esquecido a televisão ligada e estava dormindo, mas não. Estava bem acordado, apoiado na cabeceira forrada de travesseiros. Tinha o notebook no colo, de onde saíam gemidos bem falsos, bem ensaiados.
— Opa, alguém assistindo filme pornô na minha cama essa hora? Qual o tema? Enfermeiras?
— Claro. Acordei excitado. Vem cá, vem ver comigo.
Ela não estava no clima, mas também não recusou a provocação. Tirou o jaleco, abandonou os tênis brancos pelo caminho e afrouxou a calça. Enfiou-se na cama e olhou para o filme que se desenrolava na tela. Uma loira peituda e de lábios inchados inclinava-se por sobre seu paciente bem-dotado e o engolia com maestria, subindo e descendo com vagar e sensualidade.
— Porra, já te falei pra parar de ver essas merdas. Nenhuma enfermeira usa salto alto nem essas viseiras ridículas com cruz vermelha. Nós usamos calças confortáveis e tênis com solado silencioso. - ela falava e mordiscava uma coceira no dedo indicador.
— Tudo bem, minha enfermeira. Eu também não tenho um pau tão grande assim e nem aguento bombar meia-hora igual bate-estaca. É só fantasia, relaxe. Aqui, ó... pega nele.
— Ah, desculpa, amor, noite difícil... posso até assistir junto para dormir, mas não vai rolar...
— Ah, amor, acordei cheio de tesão. Pega nele, vai, bate uma pra mim então.
Ela levantou a mão direita enfaixada, triunfante.
— Não vai dar, meu bem. Um maluco me mordeu durante o plantão, acredita?
— Porra, não é possível! Me recuso a dormir com tesão, vou acender seu fogo de um jeito ou de outro. - ele reclamou, bem-humorado.
— Você sabe como me relaxar, amorzinho...
— Cala a boca e abre essas pernas, tô com sede.
Ela se ajeitou na cama, fechando o notebook na hora em que a peituda oferecia uma espanhola bem ritmada ao paciente. Deixou ele puxar a calça branca, todo desajeitado, apressado. A descida emperrou, como sempre, em suas panturrilhas grossas.
— Calças confortáveis o caralho! - ele riu e se debruçou na calcinha dela. Lambeu por cima do tecido mesmo e a luz fraca do começo da manhã o ajudava a delinear as carnes macias que estavam ali embaixo. Puxou a última peça, ao mesmo tempo em que ela conseguia libertar a calça de uma das pernas. A vagina abriu-se ao alcance dos lábios dele e o aroma forte feminino o convidou. Começou lambendo de leve, separando os lábios com a língua enquanto ela suspirava. Colheu daquele mel conforme ela ia molhando, e em pouco tempo lambuzou-se todo. Para quebrar um pouco o ritmo, ele lambia suas virilhas, mordiscava suas coxas e subiu as mãos para brincar naqueles peitos fartos que ela tinha. Esperava pelo sinal - que no caso era quando ela segurava firme em seus cabelos - para subir e penetrá-la. Seu pau já estava tão duro quanto dolorido. Agora enterrava a língua nela e sorvia todo o caldo com vontade. Quando beliscou os dois mamilos veio a resposta que esperava dela:
— Vem aqui foder gostosinho, vem. Quero dentro.
Ambos já eram entrosados demais no sexo. Ele se ergueu e ela já enroscou o pé no calção dele para ajudá-lo a se despir. Esticou a perna e depois se abriu ao máximo para recebê-lo. Ele adentrou, aliviado, naquela quentura e umidade tão gostosa.
— Quero gozar dentro. - ele disse no ouvido dela.
— Pode. - ela gemeu, e se mexeu para encaixá-lo melhor. Não foi preciso muito esforço para dar o que ele queria. Ela se sentia até um pouco culpada por querer acabar rápido.
— Vou... gozar. - ele avisou minutos depois e a beijou ardorosamente, enquanto se esvaziava dentro dela.
A enfermeira permaneceu de olhos fechados, sentindo o caldo dele preenchê-la. Ele veio com uma, duas esguichadas e... uma terceira, mais fraca. A língua dele tinha gosto de cerveja amanhecida misturada com o gosto de sua feminilidade e dançava freneticamente em sua boca.
Ele agora lambia os dentes dela com paixão, num gemido abafado. Ela chupou para si a língua dele, até doer. E então mordeu com toda a força!
Comentários do autor
"Mastigadores" foi terminado em pleno carnaval de 2015, mas a semente do conto remonta 2012, quando várias notícias bizarras de canibalismo se espalharam pelo mundo, num espaço muito curto de tempo.
Começou em 29/05, quando um homem nu atacou um sem-teto embaixo de uma das pontes que dão acesso às praias de Miami, EUA. Foi morto a tiros pela polícia, após comer quase todo o rosto da vítima, incluindo olhos e nariz. Os agentes acreditam que o canibal agia sob efeito de drogas como LSD e cocaína.
O crime do homem que devorou o próprio cachorro, citado na cena do hospital, aconteceu no começo do mês de Junho.
Em 01/07, um estudante americano de engenharia elétrica comeu o coração e parte do cérebro de um ganês, ex-estudante do mesmo curso. As mãos e partes da cabeça da vítima foram encontradas em sua residência, e o o resto do corpo do africano foi deixado em uma lixeira perto de uma igreja da comunidade.
Em 02/07, um motorista bêbado teve um ataque de fúria e atacou o carro de uma mulher no trânsito em Wenzhou, China. Quando ela tentou fugir do veículo, ele a atacou, derrubou no asfalto e começou a comer o rosto dela. Só foi detido quando a polícia chegou ao local. A vítima teve que fazer cirurgia reparadora no nariz e lábios.
Em 10/08, na cidade de Foshan, China, um homem sem camisa cercou e atacou uma mulher, mastigando seu rosto. Quando a polícia chegou ao local, ele tentou fugir pulando na traseira de um caminhão em movimento. Antes disso tentou morder o braço de um dos agentes. Foi encaminhado para o hospital para diagnosticarem se tinha alguma doença mental.
Em 23/08, no Reino Unido, uma mulher arrancou com os dentes pedaços da mão de outra, ambas estavam numa casa noturna. A vítima ficou quase um mês no hospital. A agressora chegou a ser detida, pagou fiança e foi libertada. Logo depois atacou uma segunda vítima, que teve o dedão de uma das mãos mordido. Segundo o promotor, a agressora disse ter atacado porque estava com fome e ficou alterada.
Enfim, em 27/09, aqui no Brasil, na Baixada Fluminense, um adolescente de 16 anos arrancou um dos olhos da própria mãe, furou o outro e comeu partes do corpo dela. A mulher teve pedaços do rosto e do seio arrancados com os dentes e foi internada em estado grave. O jovem sofria distúrbios mentais.