"Beleza é terror.
Donna Tartt
O que chamamos de belo nos faz tremer.
A beleza é aspera e se parece com um extermínio.
Ainda assim, é tudo que se quer."
#36
O simoníaco
Trine vasculhou o local com seu olhar penetrante, observando a maciça presença feminina do recinto. Tinha de tudo naquele clube das mulheres, desde grupos de casadas com suas sobrinhas, passando por quarentonas solitárias ligeiramente assanhadas; uma ou outra gordinha aqui e ali, e até mesmo um animado aglomerado de japonesas provavelmente fugidas da faculdade de medicina ali perto, todas portando seus indefectíveis jalecos brancos.
Não demorou para que Trine se destacasse de todas as outras do lugar, já que era mais alta até mesmo que o gorila que fazia a segurança na porta do clube. Andava por entre elas agora com ares de predadora, um brilho esquisito e extremamente vivo no olhar, como se tudo ao redor fosse murcho comparado a ela.
Em partes isso era verdade. Trine era uma mulher, digamos... intensa! Até mesmo o garanhão besuntado e fantasiado de bombeiro sentiu isso quando adentrou o palco para dançar, tirar lentamente a roupa e enlouquecer aquela plateia. A cada peça que ele atirava em direção às mãos famintas, sentia o olhar dardejante de Trine sobre seus músculos, comendo-o à distância. Antes de tirar a calça apertada e cheia de correntes, percebeu que já dançava apenas para ela. Nenhuma outra mulher no clube conseguia desconcentrá-lo, nem mesmo a dupla de belas moças que se beijavam perto do palco, um lindo par lésbico que já tinha desembolsado uma nota de $ 100, jogando-a aos pés dele.
O "bombeiro" continuou sua apresentação, visivelmente perturbado com o brilho selvagem que o encarava de longe. Sentia mãos e unhas bem feitas correndo por seu corpo, acariciando suas coxas grossas, sua barriga musculosa e definida e seu peito suado, além das engraçadinhas que apalpavam sua genitália, quase que puxando sua sunga abaixo. Trine não se aproximou em momento algum, mas não precisava. Encostada numa parede lá no fundo, lambeu deliciosamente os lábios e o homem quase sentiu aquela língua serpenteando e molhando seu membro.
A dupla lésbica puxou-o de repente, confessando que queriam uma trepada com ele. O "bombeiro" se desvencilhou das duas, fingindo não ter ouvido a proposta devido à música alta, mas, na verdade, temeu enfurecer aquela gata que o encarava tão despudoradamente. Seu olhar era claro, imperativo:
"Nós vamos foder. A noite inteira."
Quase ao final do número uma das mulheres do grupinho de casadas abriu caminho até o palco - fazendo um infame e óbvio trocadilho sobre precisar de uma "mangueira" para apagar seu fogo - e toda envergonhada puxou a sunga dele para colocar uma nota e, com a mesma mão que portava a pesada aliança de matrimônio, segurou com gosto no membro meio endurecido do stripper por um instante demorado demais para os padrões da casa. Ele abaixou-se, beijou-a sorrindo e se afastou lentamente, tudo sem perder o ritmo da música que o embalava. À esquerda do palco, uma gordinha simulava um boquete, com o punho fechado fazendo vaivém em frente à própria boca. Ele riu e voltou sua atenção de novo para o fundo da casa.
Era difícil não a notar, mesmo ela estando parada. Trine sobressaía com sua altura - mais evidenciada com o salto - e sua roupa extremamente sensual, provocativa. Então o show do "bombeiro" malhado terminou e ele desapareceu para trás do palco, dando lugar a um cowboy igualmente forte.
Trine perdeu subitamente o interesse no clube das mulheres, e dirigiu-se também ao fundo do palco, atrás do falso bombeiro. Nem mesmo a dupla de seguranças - que protegia os camarins do assédio das clientes - foi capaz de frear os instintos daquela extraordinária mulher. O dançarino estava se penteando no espelho quando viu Trine refletida, entrando pela porta.
— Se você chegou até aqui nos fundos, é por que deve ser uma mulher muito, muito interessante! - ele disse, verdadeiramente surpreso.
Ela apenas piscou em resposta, e minutos mais tarde os dois estavam saindo pela porta dos fundos do clube. A noite estava apenas começando...
Francesca - codinome Lorelei, a caçadora do Vaticano - percebeu que a porta dos fundos estava destrancada. Sua vigília tinha enfim dado frutos. O homem que ela perseguia entrara por ali: um simoníaco, uma raça maldita que comercializa objetos sacros roubados de igrejas, conforme seu superior tinha lhe informado. Ele entrou em todas as pequenas capelas de Sistinas, sinal de que era familiar da paróquia, parecia que a frequentava durante o dia, mas voltava à noite e roubava todos os objetos em prata, geralmente cálices. Uma das últimas capelas para se roubar era aquela, onde a caçadora tinha montado guarda esperando por ele...
Como esse simoníaco era organizado, Francesca descartou a hipótese de ser um jovem drogado querendo levantar dinheiro vendendo prataria para comprar cocaína. Era provável que fosse um homem mandado por um colecionador de objetos sacros, mas não devia ser dos graúdos, pois ele ainda não ousara invadir nenhuma das três grandes catedrais da cidade.
"Só as pequenas capelas... como essa."
A caçadora usava um sobretudo que escondia sua espada sagrada feita de prata - cujo fio já tinha matado um vampiro - além de diversas facas também prateadas. Ela só queria nocautear o ladrão que nesse momento profanava o recinto de Deus, por isso não carregava armas de fogo. Viu o facho amarelado da lanterna dele varrendo os vitrais, então adentrou a igrejinha e fechou a porta silenciosamente atrás de si, mergulhando no escuro.
O lugar era mesmo pequeno, então ela apenas fez uma curva e já saiu lateralmente na nave principal da capela. À sua direita estava o homem revirando o altar, colocando com muito cuidado os cálices e castiçais numa sacola, tão absorto em sua tarefa que nem percebeu que Lorelei vinha se aproximando lentamente. O couro do sobretudo dela farfalhou num movimento mais brusco e o homem apontou o facho bem nos olhos da caçadora:
— Quem é você?
— Alguém que vai te impedir de roubar a casa de Deus desta vez. - respondeu Lorelei, e a cruz de Malta em seu peito brilhou, reagindo à luz da lanterna.
— Merda... Olha moça... eu preciso fazer isso. Não quero confusão, mas não se aproxime.
Francesca ficou atordoada. O cara exalava medo... Como podia ser o perigoso simoníaco descrito pelo superior dela? Podia atacá-lo mesmo que ele estivesse armado, pois estava tão assustado, até tremendo, que nem conseguiria atirar.
— Você está assaltando todas as capelas da cidade. Acha mesmo que vou deixá-lo ir? - disse Lorelei, enquanto avançava confiante.
— Pare aí mesmo moça! - e nesse momento ele sacou um revólver - Eu preciso... preciso fazer isso!
— Não precisa mais. Abaixe isso e ninguém se machuca. - ela desafiou, e continuou andando, porém, mais devagar.
— Nem mais um passo! Eu atiro!
— Se apertar esse gatilho, alguém vai se machucar de verdade... abaixe a arma.
— Você não sabe... não sabe o que estou fazendo! Não sabe da minha cruzada!
— Eu sei que você é um maldito simoníaco, que rouba e comercializa objetos sacros da casa do Senhor, e eu odeio sua laia! - explodiu a caçadora. Assim que terminou a frase, quatro balas explodiram em seu peito, crivando de buracos fumegantes sua cruz maltesa. Francesca, tomada de surpresa, deu dois passos para trás checando se sua veste de cavaleira hospitalária tinha aguentado o impacto das balas. Quando percebeu que estava ilesa, encarou friamente o homem.
— Merda... - ele balbuciou e tratou de correr para o outro lado da igrejinha. Escutou um silvo na escuridão e uma adaga de prata cravou-se na parede bem ao lado de sua cabeça. Assustado, ele abaixou-se e continuou a fuga, sempre grudado com a sacola cheia de cálices e crucifixos. Deixou a lanterna caída para trás e nem viu no que tropeçou. Quando ia se levantar, uma longa espada também de prata foi encostada em seu pescoço...
— Nem pense em se levantar, corto sua cabeça. - disse Lorelei, quase invisível em seu couro e sobretudo negro.
— Eu... eu juro que posso explicar, moça. - ele gaguejou, assustado - Quem é você afinal? Um anjo?
— Sou uma cavaleira a serviço de Deus na Terra. E você, quem é?
Ainda caído no chão, o homem passou a contar sua aterrorizante história…
— Ahh, que delícia! Mais... eu quero MAIS! - rosnou Trine, literalmente arreganhada na cama.
O tal "bombeiro" já estava um tanto assustado com os gostos extravagantes daquela mulher, que, aliás, tinha a vagina mais peluda que ele já tinha visto. Mas longe de ser feio ou repugnante, aquele enorme tufo de pelos dava um ar exótico ao sexo dela. À cada gota quente da vela que ele pingava em suas costas, Trine jogava os cabelos para trás e urrava com prazer. Ela estava indefesa - seus tornozelos estavam presos nas extremidades de uma barra: um afastador de pernas. De quatro, com as pernas totalmente separadas por essa barra, que também algemava seus pulsos, a mulher estava à mercê dele. Ao menos era o que parecia, mas o que se via era que Trine não saía do controle em momento algum.
— Vai seu puto! Quero mais! Me queima!
O homem não se fez de rogado e despejou por toda a extensão da coluna dela o líquido fervente que se acumulava na base da chama da vela. Despejava a parafina derretida com cuidado, vagarosamente, observando os efeitos na rala pelugem que cobria também as costas daquela devassa. A mulher gritava e contraía todos os músculos, dando a impressão que poderia libertar os braços - que estavam esticados para trás, passando por baixo de seu ventre - à qualquer momento.
— Agora mete em mim, mete tudo... Mostra o que sabe fazer com esse seu pau... Ou ele só funciona com aquelas mal fodidas do clube das mulheres?
O stripper sorriu maliciosamente e nem respondeu. Iria mostrar a ela. Olhou para seu arsenal de brinquedinhos soltos no chão ao redor da cama, desde consolos enormes até "gag balls" sofisticadas, vendas, algemas e mordaças. Como estava acostumado a levar todo o tipo de mulher (e homens) para aquele quarto, sempre estava preparado para brincar. Mas a dona o desafiava, ele não usaria nada, e ainda comeria a bunda apetitosa daquela puta sem lubrificar...
Ele montou e a penetrou sem dificuldade, tal era a largura e dilatação da mulher, tão arreganhada e ensopada que seu mel escorria abundante entre os pelos volumosos dela e pingava nos lençóis. Ele começou a cavalgar forte, resmungando palavrões e dando tapas na bunda já avermelhada de Trine. O coito estava tão gostoso que ele quase teve uma ejaculação precoce. Tratou de tirar o membro melado, dar a volta na cama e esfregá-lo na boca da mulher. Ela o engoliu com fome, mirando-o com um olhar mais do que animalesco, como se estivesse totalmente fora de controle. Aquela onda de medo bateu nele novamente quando Trine fechou audaciosamente os dentes em torno do seu saco, mordendo e puxando a pele entre os lábios.
— Mete de novo... Eu quero cacete lá atrás. - ela grunhiu, ainda mordiscando as bolas dele.
Refeito, o homem montou novamente, abrindo ainda mais as nádegas dela e enfiando tudo, até onde cabia. De fato sentia a cabeça inchada de seu pau batendo em algo lá no fundo, talvez fosse a parede do útero daquela cadela no cio. Ela gostava assim, parecia se acalmar quando ele socava com força. Nunca tinha trepado com uma mulher daquelas. Teve por um segundo aquele receio bobo de não dar conta do tesão dela. Então concentrou-se nas estocadas, sentindo seu saco batendo com o ritmo nas dobras meladas daquela vagina tão aberta.
— Atrás, filho da puta! - ela gritou, os cabelos revoltos grudados de suor em sua testa. Suas mãos estavam tão crispadas que pareciam garras e seu lábio inferior sangrava levemente, como se o tivesse mordido.
O dançarino não pensou na ordem duas vezes. Penetrou o dedão de sua mão direita naquele buraquinho rosado, e foi puxando, alargando lentamente, assim como devagar também retirava o cacete, centímetro por centímetro, de dentro dela.
— Vai porra! Me arromba, me rasga! Com força, quero arder! - Trine urrou com tanta força que as veias de seu pescoço saltaram perigosamente, e até mesmo o caldo ressequido da vela até então preso em sua pele desprendeu de suas costas.
— Vou adorar traçar essa sua bunda redonda, putona... Rebola! - ele se dirigiu a ela em voz alta, de comando, pela primeira vez. Apesar de não ter sentido firmeza, Trine obedeceu, e passou a balançar o quadril de um lado para outro, de maneira bem lenta no começo, mas depois com movimentos frenéticos se lançava para trás, querendo ser invadida logo. Fechou os olhos grunhindo, sentindo a cabeçorra do homem forçando entrada, arrebentando suas pregas. O suor pingava da testa dele e caía direto nelas, causando uma sensação ainda mais ardida.
Quando ele entrou todo e a puxou pelos cabelos, o tesão foi tanto que Trine arrebentou uma das algemas e libertou a mão direita. Jogou o braço para trás, segurando a própria bunda, abrindo-se ainda mais para receber o mastro e suas bombadas. Gozava seguidas vezes, entrando numa sequência incontrolável de espasmos musculares, apertando o homem dentro de si. Ele enfim entregou os pontos e inundou o buraquinho dela com uma quantidade enorme de porra quente, espirrando sem controle lá dentro enquanto quase arrancava o couro cabeludo de Trine de tanto puxar seus cabelos!
Assim que se sentiu encharcando por dentro com a ejaculação do stripper, a mulher gozou novamente, então uma estranha metamorfose tomou conta daquele corpo suado, estremecido de espasmos orgasmáticos: seus lábios contorceram-se numa horrenda bocarra, e os caninos saltaram ameaçadores para fora. Suas narinas afunilaram de maneira esquisita e os olhos avermelharam. O homem ainda se recompunha e nem percebeu que o volume do cabelo dela tinha aumentado rapidamente. Os braços dela adquiriram mais força, mais músculos que foram cobertos por mais pelugem.
Suando profusamente, Trine rosnou com toda sua rouquidão, arqueando-se na cama e derrubando o homem ao chão. Ela arrebentou a outra algema que prendia seu pulso esquerdo no mesmo momento em que seus pelos vaginais cresceram, vazando para sua barriga, cobrindo os seios e também descendo para as pernas. Suas panturrilhas incharam. Com um rápido afastamento de pernas, a mulher quebrou a barra que as mantinha imobilizadas.
Seus cabelos cobriram o rosto outrora delicado, com as sobrancelhas. Os olhos exprimiam fúria apenas. As mãos encurvaram-se em garras e as unhas enormes saltaram dolorosamente ensanguentadas, rasgando a pele dela, abrindo passagem. Tudo levou apenas alguns segundos. O corpo de modelo de Trine sumiu, e em seu lugar ficou uma forma ainda mais alta, totalmente peluda, e incrivelmente forte. O stripper caído no chão, surpreso com a súbita transformação, nem teve raciocínio para reagir quando Trine caiu por cima dele. Ela urrou mais alto, enfurecida, e de sua bocarra inumana espirraram várias gotas de saliva.
Mais rápida que o pensamento dele, ela prendeu seus tornozelos com um dos afastadores de pernas que estavam jogados ao chão. Foi quando ele se debateu e percebeu o quanto aquela criatura era forte. Sentiu-se indefeso diante da potência dela, que sem trabalho algum algemou também seus pulsos ao pé da cama.
— Para com isso, me solta! O que vai fazer comigo? - desesperou-se.
Trine apenas grunhiu em resposta, abaixou-se e passou a cheirá-lo, farejar seu odor de macho, e enfim, com a mão deformada em garra, ergueu a perna direita dele, enterrando o nariz por entre as nádegas do dançarino, como um cão de rua no cio. Ele prendeu a respiração, lembrando dos dentes dela minutos atrás puxando a pele do seu saco, e sentiu muito medo, enquanto ela permanecia ali, um monstro enorme de quatro farejando sua bunda.
Subitamente Trine o forçou a também ficar de quatro, apoiado na cama, e ele lembrou de uma das fantasias que ela tinha lhe confessado na saída do clube das mulheres: "Eu costumo sonhar que sou uma travesti bem dotada que enraba homens bonitos e másculos! Geralmente acordo toda molhada desses sonhos..."
A mão enorme da criatura então enterrou violentamente a cabeça dele no colchão macio, e o stripper sentiu algo - um de seus brinquedos, com certeza - sendo introduzido com muita força. Então veio o afrouxamento, o sangue e a dor, e nem o colchão, nem os lençóis conseguiram abafar seu grito!
— Um lobisomem? - perguntou Francesca, atônita, sentando-se num dos bancos da capela.
— Eu prefiro chamá-la de Lycaeonia. Todos para quem citei a palavra "lobisomem" riram da minha cara. - respondeu o homem, ainda caído ao chão, alvo do olhar e do fio da espada de Lorelei.
— Já contou isso para outras pessoas, Peter?
— Ninguém que tenha sobrevivido, moça. Pensaram que era folclore, sabe? Os médicos falaram em porfiria, hidrofobia, distúrbios mentais... mas não é nada disso. Ela é uma criatura da noite, nunca me esquecerei de quando vi seus pelos crescendo, enchendo totalmente sua calcinha, rasgando o tecido rendado e... - o estranho homem que respondia por "Peter" ficou em silêncio.
— Como você sobreviveu?
— Sorte, eu acho. Nunca corri tanto na minha vida. Passei horas escondido numa lixeira, para confundir meu cheiro. Agora ela me persegue, quer me matar, pois conheço o segredo dela. Mas eu a pegarei antes.
— Por que simplesmente não some? Não precisa enfrentá-la.
-Depois de ver aquela besta-fera, você nunca mais consegue dormir em paz. Sonha com ela te estripando, comendo suas entranhas, te rasgando com os dentes. Hoje em dia qualquer cão que uive nas redondezas acaba com meus nervos...
Realmente, os nervos daquele homem pareciam em frangalhos.
— Não quero passar minha vida assustado assim, me cagando cada vez que a lua nasce. Quando você é mirado por aquele olhar vermelho-fogo, nunca mais esquece. E sabe, no íntimo, que certa noite ela vai te alcançar. - ele continuou.
— Peter... como isso começou?
— Achei que Trine, esse é o nome da fera, fosse apenas uma mulher diferente. Extremamente fogosa... qual homem não gosta? Mas ela também era muito irritadiça, e ficava insuportável durante a TPM.
— Fogosa?
Peter limpou a garganta, e deu um sorriso sem graça:
— Eu não aguentava o fogo dela. Certa vez eu... nós... bem, ela, vendeu seu sexo na minha frente. Eu fui pago para ficar assistindo enquanto ela e outro homem transavam. Achei que era uma fantasia dela, que literalmente esfolou o genital do cara de tanto... bem, eu saí de lá antes do cara gozar, mas isso não vem ao caso. Desculpe.
Francesca não conseguiu disfarçar a cara de nojo.
— Mas Peter... o que isso tem a ver com ela ser também um... lobo? Não seria apenas mais uma depravada?
— Seria, se o tal homem não aparecesse aos pedaços, como carne desfiada, no caderno policial do jornal. Ela limitou-se a comentar que o cara tinha o genital mais "saboroso" que ela tinha experimentado. Piadinha de duplo sentido? - Peter completou, irritado.
— Mas...
— Seria, moça, se eu não tivesse visto a metamorfose dela com meus próprios olhos! - ele cortou, mais irritado ainda - Ela é depravada, sim, mas também é uma Lycaeonia! E eu vou matá-la antes que ela faça o mesmo comigo!
— Como matar essa criatura? - questionou a cavaleira, relembrando que ela também lera aquela mesma estranha matéria no jornal semanas atrás. Ele não estava inventando aquele crime.
Peter apontou para a sacola de objetos sacros que Lorelei tinha tomado dele: "Com prata."
— Então devo acreditar que você não estava roubando cálices e crucifixos de prata para revender, e sim para matar um lobisomem?
Peter soltou um suspiro angustiado com o tom "folclórico" que ela deu à frase.
— Eu derreti todos os roubos anteriores e já os transformei em balas de prata. Se você quiser olhar no meu casaco verá os projéteis... Vai me prender agora, moça?
Francesca sentiu sinceridade naquelas palavras, e pensou que não seria uma boa prendê-lo. A curiosidade ardia em seu peito:
— Quem lhe disse que prata funciona?
— Quem lhe disse que não funciona? Se um cálice sagrado em forma de bala não conseguir derrubar aquele monstro, não sei o que conseguirá!
— Uma espada. - Francesca respondeu seca, guardando sua lâmina na bainha e estendendo a mão para ajudar o homem a levantar-se do chão…
O vento noturno eriçava seus pelos, e o cheiro da floresta ao longe a excitava. Trine nunca tinha visto a lua tão cheia como naquele momento... talvez por não ter mais olhos humanos. A gigantesca forma peluda já tinha abandonado o asfalto de Sistinas e agora caminhava devagar para as montanhas, deixando para trás as insípidas luzes de neon e a onipresente fumaça poluidora da metrópole. O instinto pedia para que ela corresse ao luar, e Trine era puro instinto naquele momento. Ela pôs-se a correr e assim que adentrou a floresta uma estranha sensação atingiu suas pernas. Ela caiu, mas na tentativa de apoiar-se nas mãos para não machucar o rosto no chão, algo mais esquisito ainda aconteceu: seus braços passaram a acompanhar os movimentos rápidos e galopantes das pernas, e ela começou correr como um quadrúpede!
Trine acostumou-se depressa com a mudança, e a corrida desajeitada no início transformou-se em algo tão natural para ela como respirar. Seu rosto perdeu de vez a forma humana e ganhou um protuberante focinho, e uma espessa cauda agora balançava, saindo por cima de suas nádegas: não era mais uma mulher, e sim uma completa loba! Quando enxergou enfim a lua por entre a copa das árvores que a cercavam, ela soltou um longo uivo de saudação e também de aceitação...
Ela perdeu a noção do quanto havia corrido, e voltou seus instintos para que a levassem de volta à margem da floresta. Apesar da metamorfose que sofrera, Trine ainda era, no fundo, humana e quis voltar para a cidade. Estranhava também o fato de não ter visto nenhum animal nas redondezas, apesar de que dificilmente caçaria qualquer coisa que fosse naquela noite. No íntimo, estava assustada com tudo que acontecera, apesar do deslumbramento.
Foi nesse instante que um odor forte de urina alcançou suas narinas e Trine, ainda desacostumada com sua condição, foi surpreendida na clareira por um lobo cinzento. Era menor que ela, verdade, mas tinha um aspecto muito mais selvagem. Quando abriu sua bocarra e mostrou os enormes dentes, Trine percebeu que tinha invadido o território demarcado por ele. Sem nem saber como agir, sua recém-adquirida cauda enfiou-se entre as pernas, e ela baixou também a cabeça numa pose submissa. O lobo aproximou-se, intrigado, com o luar refletindo-se no olhar atento dele.
Ela foi cheirada completamente. Ele encostou seu focinho no dela, e Trine nunca esqueceria do olhar daquele animal, cuja selvageria simplesmente não podia ser igualada por seres humanos. Então seu corpo também foi farejado até chegar na cauda. O cheiro do lobo mudou nesse instante, e ela percebeu que o tinha excitado. O instinto da loba de se entregar lutou por alguns segundos contra a razão humana de Trine, durante o tempo em que o quadrúpede ficou parado cheirando atrás dela.
Quando sentiu que ele montaria nela, a metamorfose voltou a acontecer: Trine reverteu instintivamente sua forma para a da temida mulher-lobo (que Peter chamaria de Lycaeonia) e surpreendeu o lupino. Ele conseguiu mordê-la no braço direito, furioso. Ela forçou o braço para cima ao mesmo tempo que com a mão livre puxava a boca do animal para baixo. Ele foi aos poucos cedendo, até ser aberto o suficiente para Trine conseguir segurar com as duas mãos sua poderosa mandíbula.
O lobo agora estava suspenso no ar, debatendo-se e arranhando Trine, que por sua vez forçava cada vez mais os dentes dele em sentidos opostos. Após uma breve luta, algo na mandíbula do macho se partiu com o som característico de osso quebrado e ele caiu no chão, tentando ao menos soltar um ganido. Não conseguiu, e correu assim que se viu livre, com o rabo entre as pernas.
Deitada e meio desorientada, ela observou que seu braço sangrava muito, mas a ferida parou de sangrar e depois de alguns minutos fechou-se completamente. Voltando à sua bela forma humana, o corpo nu largado na grama úmida pelo orvalho, Trine teve um acesso de riso...
— Eu sei onde ela mora... - ele disse, com a voz distante.
Francesca andava ao lado dele, estudando as feições, trejeitos e cada palavra que saía da boca do estranho Peter.
— … pensei que eu nunca teria coragem de voltar lá. - ele terminou, depois de algum tempo.
— E ela continua morando no mesmo lugar? Pensei que essas criaturas fossem cuidadosas, fugindo o tempo todo.
— Na verdade, são territoriais. Além disso, o segredo dela ainda não foi descoberto, caso contrário ela fugiria mesmo, para se preservar. Como sou o único a saber, ela precisa me eliminar. Trine sabe que eu morro de medo de sua transformação, então não me teme. Pensa que sou inofensivo.
A caçadora lembrou novamente do revólver que ele portava, carregado com balas de prata. Peter podia ser esquisito, metódico, organizado... mas não era nada inofensivo!
— Acha que sua espada é o suficiente, moça?
Francesca detestava o tom de voz que ele empregava para falar "moça", quase com desdém, como se a desprezasse.
Como se ela não fosse uma autêntica cavaleira.
— Essa espada já bebeu sangue de um vampiro, e você pode me chamar de Lorelei. - ela respondeu, querendo demonstrar segurança, enquanto se recordava da maldita noite em que encontrou o morto-vivo com três bruxas transando na floresta. Naquela ocasião tinha sido ajudada por uma intervenção divina... e o fato é que aquele vampiro QUERIA ser morto. Mas isso, claro, ninguém precisava saber.
— Vampiros não existem, Lorelei. E que diabos de nome é esse seu?
— Codinome de caçadora. E, se você acredita na existência de lobisomens, por que duvida que existam vampiros? - ela rebateu.
— E você acredita nos lobisomens só por ter matado um vampiro?
— Digamos que sei que existe o mal caminhando sobre a Terra. Sei porque já vi "in loco", aqui em Sistinas inclusive.
— Mas você não parece confiar totalmente em mim...
— Confio apenas na minha espada, Peter.
Aquilo encerrou a conversa durante os quinze minutos seguintes, o tempo que levaram para alcançar a vizinhança da casa de Trine. As luzes residenciais, obviamente, estavam todas apagadas. A iluminação da rua também era fraca. Se algum cão uivasse naquele cenário, Lorelei podia apostar que o tal homem se borraria de medo. Mas o fato é que nem mesmo os cães pareciam gostar daquele lugar...
Peter, assim que chegou na suposta porta de Trine, fez um sinal com a cabeça que significava claramente "ninguém em casa". A casa em questão era pequena, provavelmente um quarto, uma sala relativamente confortável, cozinha e banheiro. A caçadora se aproximou e observou atentamente toda a perícia dele ao conseguir abrir a porta rapidamente sem precisar arrombar. Ele era um ótimo ladrão.
— Onde você aprendeu isso?
— Isso o quê?
— Táticas de invasão.
— A necessidade é a mãe da inteligência. - ele limitou-se a responder. Entraram.
Quebraram a penumbra da sala acendendo o abajur amarelado. Peter foi em direção à cozinha com sua inseparável lanterna, sentindo um estranho cheiro no ar, enquanto Lorelei se ocupava de investigar o quarto. Pelo jeito, Trine tinha saído alguns minutos antes deles chegarem, o banheiro anexo ainda estava molhado e exalava um vapor quente. Ignorou os respingos de sangue no box, sinal claro de que a criatura tinha matado (ou pelo menos sangrado) e depois se lavado. Foi Peter quem gritou primeiro:
— Ei, venha ver isso!
Quando ela chegou até ele, Peter estava em frente à geladeira. Sua luz mortiça iluminava parcialmente a cozinha. O cheiro estava bem pior. Lorelei viu pedaços enormes de carne crua, ainda ensanguentada, largadas de qualquer maneira em bandejas.
— Não me diga que é...
— Não é não. - ele cortou, antecipando os pensamentos dela - Ela comprou isso em um açougue. É apenas carne crua. Acho que ela já sabe que é uma loba, apenas não tem controle sobre sua metamorfose ainda. Nós temos a chance de matá-la antes que se torne poderosa a ponto de conseguir controlar isso também...
— Você parece saber muito sobre essas criaturas, Peter. - ironizou Lorelei.
— Para vencer um inimigo precisamos estudá-lo. Nunca leu Sun Tzu?
A caçadora riu discretamente, pegou a lanterna da mão dele e voltou ao quarto, o único ambiente da casa que parecia promissor para se achar alguma pista. Peter continuou atrás dela, falando sobre lobos:
— Sabia que as lobas no período de acasalamento podem cruzar com qualquer macho de outras alcateias, mas, quando em seu território, elas geralmente cruzam apenas com o lobo hierarquicamente conhecido como "alfa"?
— Está querendo dizer que ela procura por um macho em especial?
— É provável. Uma hipótese.
— Então sabemos onde a Trine está. - disse Lorelei, triunfante. Com a lanterna ela iluminava um cartão abandonado sobre o criado-mudo ao lado da cama...
O cenário era muito parecido com um set de filmagens. Uma enorme sala, uma poltrona largada num dos cantos e um público diversificado de homens e mulheres na parede oposta. Umas dez, quinze pessoas, no máximo. E havia ele, uma espécie de mestre de cerimônias.
O homem era forte, um tanto peludo e usava uma máscara negra que cobria toda sua cabeça, tendo apenas três orifícios para seus olhos e a boca, por onde ele soltava - com sua voz rouca e abafada - uma mistura balanceada de palavrões, humilhações e comandos. Trine, nua, estava atada nos pulsos com uma grossa corda que pendia do teto, obrigando-a a ficar de pé. Uma correia amordaçava firmemente sua boca, cujos lábios estavam entreabertos por uma "gag ball". O homem chicoteou a mulher por alguns minutos, deixando marcas naquela pele sensível. Depois se aproximou e, parecendo excitado com a nudez da cativa, esmagou seus seios macios entre as mãos, causando dor e prazer em doses iguais.
Com Trine ainda naquela incômoda posição de pé, ele trouxe até o meio da sala a poltrona até então esquecida. Quando soltou as mãos da cativa, viam-se claramente as marcas rústicas das cordas ao redor dos delicados pulsos dela. Ordenou-a que sentasse, e foi docilmente atendido. Puxou as duas mãos dela para cima, e as atou novamente, passando o resto da corda por trás do encosto até fixar a ponta por baixo do assento.
Usando sua habilidade de dominador ele afastou rapidamente as pernas da submissa e, passando cordas por baixo da poltrona, amarrou-lhe as coxas grossas - dando uma série de nós apertados e perfeitos que também lhe atavam as canelas - deixando a mulher com os joelhos dobrados, as pernas totalmente abertas e o sexo (tanto a vagina quanto o ânus) exposto para todos.
O mascarado foi outra vez até o canto da sala e voltou com um rolo de fita cinza. Primeiro tirou a correia que amordaçava Trine e depois, arrancando grandes faixas da tal fita adesiva, voltou a cobrir a boca da mulher de maneira irregular. Não satisfeito, tirou mais dois pedaços com os quais cobriu também os olhos deliciados da "escrava".
Então ele começou a chicoteá-la com energia, sabendo que a estranha mulher queria mais e mais.
"Me sangra, seu frouxo!" - ela disse a ele com uma frieza incrível, quando adentrou o clube particular.
Quando um fio de sangue voou com o chicote, ele decidiu parar e castigar os mamilos com pinças. Deixou pesadas correntes penduradas, fazendo peso nos peitos da mulher, enquanto se deliciava estapeando o clitóris dela. A cada sonoro tapa dado em seu sexo, Trine se contorcia na poltrona até onde as cordas permitiam. Seus pulsos começaram a aquecer e sangrar também, devido à fricção.
Muda em expressão - a boca e olhos cobertos pela fita adesiva - Trine usava apenas o corpo para demonstrar o prazer que sentia... prazer que lentamente foi se confundindo com uma fúria mais que selvagem!
"Ligotage - clube de fetiches" estava escrito no cartão, que continha também o endereço. Peter e Lorelei estavam no local indicado pelo cartão, mas a fachada em nada lembrava um clube noturno.
— Se ela está procurando um alfa como você disse, será que não encontraremos outro lobisomem aí dentro?
— Trine é a única de Sistinas, Lorelei.
— Como sabe?
— Acredite, eu saberia se tivesse outra besta dessas na cidade. - o tom dele era decisivo.
— Então ela não terá com quem acasalar? Não foi por isso que ela veio ao Ligotage?
— Não tenho certeza se é acasalar que ela quer. A verdade é que a libido sexual aumenta e muito quando ela experimenta a forma de lobisomem. Esse lugar é apenas uma pista, mas tenho quase certeza que está aí dentro. Você está pronta?
A caçadora acenou que sim com a cabeça, mas sem muita convicção.
— Ah, só pra você saber... Essas coisas farejam a presa num raio de um quilômetro e meio. Trine já sabe que estamos aqui. Se desistirmos agora ela vai sentir o doce aroma do nosso medo. De um jeito ou de outro temos que enfrentá-la!
Francesca sabia do lendário olfato dos lobisomens, mas nem tinha se atentado àquele detalhe. Antes que falasse qualquer coisa, Peter se adiantou, decidido. Ele bateu à porta, e ela foi entreaberta por uma máscara de couro que perguntou com a voz abafada: "O que querem aqui?"
— Entrar. - respondeu Peter, simplesmente.
O mascarado pensou em bater a porta na cara do babaca, mas ao notar em Lorelei vestida com seu sobretudo e roupas de couro, ele relaxou e liberou a entrada para os dois.
— Bem-vindos ao Ligotage, nosso clubinho fechado de fetiches. Estamos manietando uma mulher fenomenal na sala principal, me acompanhem. Como souberam da gente?
Francesca mostrou-lhe o cartão, e o cara resmungou algo que não passou pela máscara. Então entraram no cenário, ao mesmo tempo em que todos começaram a gritar. Algo enorme, peludo, tinha se libertado das cordas e urrava para os presentes! O tal mestre de cerimônia nem teve tempo de soltar o chicote e correr, quando a gigantesca garra rasgou sua máscara de couro. Seu rosto foi desfigurado junto, e ele caiu gritando histericamente no chão.
Em meio à correria e aos gritos, Peter pensou que seria mais rápido que a besta: sacou sua arma carregada com os abençoados projéteis e tentou fazer mira, mas não teve tempo. Não sabia se fora o temor que congelou seu raciocínio, ou se a criatura era muito mais ágil que um humano normal, mas o tiro apenas resvalou no braço de Trine, que lhe lançou um olhar fumegante. Um brilho de reconhecimento varreu aquele olhar, e ela se lançou urrando na direção dele.
Outros dois, três disparos, e a criatura ainda permanecia de pé. Na verdade, nenhuma das balas tinha acertado o alvo, mesmo ele sendo tão grande que era praticamente impossível errar! Peter gritou apavorado quando seu revólver engasgou, apesar de ainda ter dois tiros no tambor. Virou-se e tentou correr, quando sentiu as garras rasgando seu ombro direito...
A caçadora - que numa fração de segundos estivera estudando os movimentos da criatura - resolveu salvar Peter. Atirou certeiramente uma de suas facas de prata no meio das costas do lobisomem. Trine sentiu a punhalada e ergueu-se, pela primeira vez sentindo dor real. Peter correu ofegante em direção à porta, e Lorelei ainda conseguiu atirar duas facas em Trine, uma em cada perna. A criatura perdeu um pouco de sua velocidade, mas ganhou ainda mais selvageria.
O mestre de cerimônias ainda estava caído no centro do cenário, já morto. Seu rosto destruído e a perda maciça de sangue foram fatais. Trine, erguida completamente nas enormes patas traseiras, passava muito de dois metros de altura. Sua musculatura era poderosa, intimidadora, e de sua bocarra escorria uma saliva raivosa. Ocasionalmente deixava escapar urros guturais por entre os dentes.
Lorelei sacou enfim sua espada prateada, sua herança de honra como cavaleira hospitalária. Esse gesto pareceu enfurecer mais a criatura, que cerrou os dentes e rosnou. Seus olhos estreitaram, fixos na pequena mulher de couro à sua frente. As garras abriam e fechavam continuamente, pingando sangue e pedaços de carne e pele. Um novo rosnado, e ela investiu furiosa contra Lorelei.
A caçadora apenas girou a espada à sua frente num gesto defensivo assim que a loba se moveu. A criatura deu dois passos para trás, olhando incrédula para o rasgo em seu peito, feito pela lâmina de prata. As narinas de Trine se abriram ao máximo, sentindo o cheiro do seu próprio sangue. Urrou um misto de dor e raiva e novamente atacou, mas agora a vantagem estava com Francesca. Ela deu um passo para o lado, esquivando-se, e cortou o ombro do lobisomem profundamente, quase decepando seu braço esquerdo.
Trine caiu de joelhos pesadamente no chão, segurando o ombro como se o mesmo fosse soltar. Francesca, por um maldito segundo, baixou a guarda e quase teve seu próprio braço arrancado com a ferocidade do golpe surpresa da loba. Mesmo de costas e ferida, ela lançou seu braço para trás com uma rapidez impressionante, ignorando a dor. Apesar da segunda esquiva, Lorelei não conseguiu manter a espada na mão, que caiu. O instinto fez com que corresse, mas passou a ser apenas uma humana disputando corrida com um temido lobisomem... A criatura deu um pulo espetacular e derrubou a mulher. Antes que pudesse se recuperar, Trine estava em cima dela. Lorelei sacou uma de suas facas de prata a tempo de evitar que as garras da loba abrissem seu peito. Sua faca, tão afiada que era, correu entre as unhas de Trine, separando a gigantesca pata em duas partes. O lobisomem gritou de dor e caiu para o lado, quando Peter chegou novamente na porta com o revólver cheio e disparou, uma, duas, três, quatro, cinco...
Seis vezes... e Trine ainda se movia.
Voltando à sua belíssima forma humana, segurava a mão direita completamente dividida pela faca da caçadora. Engasgando sangue, ela voltou-se para Lorelei e disse, baixinho:
— Ele quer meu poder, não deixe... ele é mau!
— "Ele" é mau? Quem mata e come carne crua aqui, besta infernal? - retrucou Lorelei, rispidamente. Assim que terminou a frase, levou uma forte coronhada atrás da cabeça e desabou no chão, ao lado da loba agonizante.
— Agora Trine, somos apenas nós dois, e você tem algo que eu quero! Sei que basta comer seu coração para me transformar num poderoso lobo. Isso não é romântico? - disse Peter, pegando uma das facas de prata no sobretudo de Lorelei.
— Venha pegar! - ela rosnou, sem tanta força.
— Ora querida. Você não tem escolha. Se me morder ou me ferir, eu me tornarei um lobisomem já na próxima lua cheia. Você apenas vai antecipar o processo. Agora, comendo seu coração vai demorar semanas. Você sabe disso. A escolha é sua.
Trine aceitou seu destino. Estava morrendo, e nem forças pra fechar a mandíbula na carne do maldito Peter tinha mais. A última coisa que viu foi seu traiçoeiro algoz caminhando com a faca brilhante na mão, então ela fechou os olhos...
Lorelei acordou algum tempo depois. Caída ao seu lado estava Trine, morta, com o peito aberto. A loba, a fera sanguinária de Sistinas tinha morrido, enfim. A caçadora levantou-se, varrendo o lugar tentando entender o ocorrido. "Ele quer meu poder…" repetia a voz de Trine em sua cabeça.
Achou sua espada consagrada, junto a um bilhete com algumas palavras rabiscadas que explicavam tudo:
"Cansei de viver com medo. Não somos inimigos. Quando a lua surgir, não me siga, senão te matarei."
Francesca pegou uma das cápsulas de prata que estavam caídas ao chão, analisando-a na palma da mão. "Não éramos inimigos, Peter. Não éramos."
Então ela saiu, deixando para trás o Ligotage, aquele lugar de devassidão e morte...
Comentários do autor
Sempre quis colocar um lobisomem no cenário de Sistinas. Aquele do filme Lobo, com Jack Nicholson, que acho o melhor do gênero.
"O simoníaco" foi escrito em 07.06.05.