Sistinas

Os sete pecados capitais

Qual deles te condena?

Luxúria

[Do lat. luxuria.] S. f. 1. Viço ou exuberância das plantas. 2. Incontinência, lascívia; sensualidade. 3. Dissolução, corrupção, libertinagem. - (escrito em 28/09/02)

Ele estava ajoelhado, com os pulsos atados. Os braços esticados para frente, pois uma corda grossa e áspera o amarrava ao fim do corrimão da escada.

Seria torturante se não fosse ela. De pé, ao lado dele, se masturbava, deixando a vulva úmida quase ao alcance de sua boca. Ele sentia o doce aroma do sexo dela, que por sua vez usava apenas meias e botas. Nada mais, o corpo descoberto, e cada marquinha de biquíni e tatuagem o excitava mais e mais.

Ela era uma gata malhada, totalmente montada em horas de vaidade e academia, mulher que deixava de lado um dia estressante de trabalho para fazer bronzeamento artificial...

E agora ela estava ali, o dominando. Deixava a mulher no comando apenas algumas vezes. Como nessa noite, apenas mais uma dentre tantas outras regadas a muito sexo. Sua "domme" tinha despejado milho no local onde ele se ajoelhou, ressuscitando talvez algum fantasma de infância dela, sei lá. E para não ser apenas dor, se masturbava com tesão perto do rosto dele.

Quando cansou da masturbação, quis ser lambida e sugada. Aproveitou os braços esticados, e passou uma perna por cima, então sentou literalmente a vagina na cara dele, que se deliciou. Enquanto ela rebolava e esfregava o clitóris na barba mal feita, sentia-se dona daquele homem. Gozou muito só com esse pensamento. Talvez tenha descontado ali alguma frustração sofrida nas mãos de outros machos que a usavam como objeto.

Ele estava cagando e andando para aquelas divagações. Queria comê-la, e ela estava ali. Aberta e entregue. Ótimo!

Algum tempo depois, a situação estava invertida. Ela já tinha tirado as botas, e ele se aproveitou das meias, tinha uma espécie enrustida de fetiche por pezinhos femininos, então literalmente colocou seu pau dentro da meia, "vestindo" seu membro junto ao pé de sua parceira. O roçar suave da meia e a visão de seu objeto de desejo logo o fizeram gozar, e acabou enchendo de porra a meia, melando também os dedos do pezinho dela. Um dos dedinhos, aliás, era adornado por um anel, presente que ele mesmo dera.

Na verdade, chegou a pensar que aquele anel era o verdadeiro preço dessa trepada fenomenal que estava tendo. Sua amiga era materialista ao extremo, e ele sabia de ocasiões em que tinha se entregado a homens por somas em dinheiro, e outras por um simples jantar sofisticado. Então, a ideia não soava absurda. Estava comendo a mulher de seus sonhos ("uma das", ele se corrigiu logo em seguida) apenas por tê-la cantado e dado um mísero agrado. Foi a vez dele se deliciar com esse pensamento simples e materialista.

Eles estavam exaustos com esses joguinhos, então a penetração em si não foi tão intensa nem tão excitante. Foi tudo mecânico, automático, e os gemidos dela foram todos muito artificiais. Pelo menos ela não errou seu nome nenhuma vez, coisa que lhe daria o direito de aplicar uma porrada muito forte no meio daquele rostinho de putinha de luxo.

Ao fim de um vaivém maçante e burocrático, nem de longe tão excitante quanto senti-la sentada em sua cara, muito menos que ter gozado no pezinho delicado dela, chegaram ao orgasmo. Ela veio primeiro, gritava e gemia como uma loura de filme pornô americano, e ele gozou logo depois. Tirou a camisinha cheia de esperma, deu um nó e mostrou a ela o quanto de porra tinha lá dentro. Uma bravata que o fazia sentir-se mais macho, nunca soube o porquê achava aquilo interessante, mas gostava de observar a reação da parceira. Essa quis provar. Abriu na unha a camisinha, e soltou calmamente o conteúdo nos seios, como se passasse na pele o mais caro hidratante cosmético, esfregando e massageando.

Foi a senha para mais uma rodada de sexo. Ao amanhecer, estavam cansados, consumidos pela luxúria toda daquela madrugada. A despedida foi estranha, a mulher saiu com um beijo apressado, alegando que iria trabalhar, apesar de ser uma linda manhã de sábado.

Ele afundou-se em travesseiros e lençóis com cheiro de sexo, logo após a saída dela. Tinha conseguido mais uma vez, comeu mais uma mulher, e essa ele desejava há tempos. Nunca tinha investido de verdade, mas quando chegou, conseguiu. E até que fora relativamente fácil...

Mas, agora, sozinho em seu quarto, roupas espalhadas pelo chão, copos com restos de bebidas misturadas com cinzas de cigarro, por que ele se sentia tão só? Comandava os desejos de todas as mulheres que conhecia, transava com todas elas, mas... Não amava nenhuma delas. E também não era amado, desejado, sim, nada mais que isso. Pela primeira vez se incomodou.

Foi tomar banho, carregando consigo um sentimento de vazio que sabia que nunca preencheria...

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Gula

[Do lat. gula, 'esôfago', 'garganta'.] S. f. 1. Excesso na comida e na bebida. [Cf. glutonaria.] 2. Apego excessivo a boas iguarias. [Sin. ger.: gulodice ou gulosice.] - (reescrito em 04/10/03)

Estou numa sala de chat, usando um apelido um tanto óbvio e por isso mesmo ridículo. Como idade não se aplica a um ser como eu, então minto, enquanto leio na tela fria um quarentão cantando virtualmente meninas de treze a dezessete anos.

Uma delas lhe responde: "Ainda sou virgem, mas já deixei colocarem a pontinha do pênis na minha bundinha e confesso que adorei, mas dói um pouco, acredito que na frente seria melhor, mas não me decidi ainda", e então eu resolvo perguntar se o elemento tem filha. Ao fundo outra garota dizendo ter quatorze anos pede por fotos de dupla penetração.

É, a humanidade caminha doente. Agora vivemos na era da internet. Das experimentações, dos relacionamentos descartáveis. Em outras palavras... promiscuidade! Uma mulher me passa seu celular após vinte minutos de conversa, tudo por que prometi levar mais dois amigos ao encontro, assim poderíamos todos transar com ela. Tudo mentira, obviamente.

— Você é casada? - pergunto a uma delas, que usava um apelido extremamente desagradável. "Oito entre dez amigas minhas traem seus parceiros, algumas são bem casadas, até. Não teve namorado nenhum meu que não tenha levado um par de chifres." - foi a resposta que li no meu computador.

Incrível, mas nada surpreendente. Resolvi então investir numa presa fácil. Nettie era adorada no mundo virtual. A internet era seu território de caça. Nunca tinha mostrado sua foto para ninguém, talvez por ser meio gordinha, fora dos atuais padrões de beleza. Usava o simpático apelido de Pinhead por ter piercings no umbigo, nos mamilos, nas orelhas, nas sobrancelhas, no nariz, dentro da boca, nos lábios e... naqueles lábios também. Eu sabia disso tudo pois já tinha conversado com ela outras vezes, mudando sistematicamente de apelido e personalidade.

— Me diga, você é muito gorda?

— Sim - ela digitou, meio sem graça - estou fora do peso, se quer saber. Talvez por eu ser gulosinha...

— Ah, gulosa? Eu gosto assim. Relaxe, também gosto de ter carnes para apertar. - tentei enganá-la.

— Sou muito gulosa mesmo. - ela respondeu, distraída, talvez por estar conversando com mais umas três ou quatro pessoas de seu fã-clube virtual. Gostavam tanto das sacanagens gratuitas que ela teclava e de seus exóticos pedaços de metal encravados no corpo que esqueciam de perguntar sua aparência.

— Vou te mostrar um novo tipo de gula, Pinhead.

— Quando? Onde? - ela se animou, respondendo automaticamente, como se esperasse muito por ler essa frase.

— No motel que você escolher. - digitei rápido.

— Mas... assim? Nem te conheço.

— E precisa? Diga que não quer então. - provoquei.

— Quero sim. Caramba, estou toda molhadinha. Vamos marcar algo AGORA. - ela aceitou. A presa engolira, ainda não literalmente, a isca. Na verdade, devia estar molhada de suor entre as enormes coxas, de tanto roçá-las, mas claro... adoram digitar isso na internet! Como se me afetasse.

Pinhead foi ao meu encontro, e fazia jus ao apelido. Apesar de não ter nenhuma tatuagem, seu corpo era lotado de piercings. Suas orelhas tinham mais metal que cartilagem, e, caramba... ela era MUITO gorda, obesidade quase mórbida. Tanto melhor, pois eu estava faminto. Apaguei a luz.

Na penumbra do quarto do motel, ela tirou a pesada roupa que vestia. Uma mulher enorme com unhas pintadas de preto, basicamente. Às vezes um piercing brilhava, refletindo a pouca luz que entrava pela janela. Seus seios, além de gigantescos, eram um pouco flácidos. Pontudos, um dos mamilos era atravessado por uma grossa argola. Foi onde encostei a boca primeiro.

— Veremos quem é o guloso de verdade, Nettie. - eu rosnei, e vi medo estampado no olhar dela. Mas ainda não era hora disso, queria excitá-la antes, para impregnar seu sangue com a sensação: "Abra as pernas, quero ver o que pendurou no clitóris".

Era o símbolo feminino. Um símbolo encravado no outro, eu diria. Encostei a boca devagar, e o metal estava umedecido, todo melado mesmo, e quente, mas seus lábios vaginais estavam mais, tanto que até pareceu queimar levemente minha língua. Sei disso porque engoli de leve o piercing, trazendo suas carnes molhadas junto. Senti a textura do metal e o gosto da mulher excitada. Quis morder, comer sua carne. Mas ela ainda podia gritar e...

— Deixe-me ver o piercing da sua língua, Nettie?

Ela estava com a cabeça jogada para trás, gemendo. Ajeitou-se, um pouco nervosa por eu ter parado de lamber e chupar seu grelo, e, como uma criança má, mostrou a língua para mim. Não parecia um piercing, de tão grande. Era quase um prego. Quando o senti entre meus dentes, durante um beijo, fiz força e puxei...

Horas mais tarde, o delegado estava perplexo:

— Então policial Nielsen, que pode me dizer? E os documentos da vítima? - Nettie, ou o que tinha sobrado dela estava na cama ainda, uma poça de sangue e carne mastigada, com todo metal de seu corpo arrancado à dentadas.

O subordinado coçou a cabeça, como se pressentisse uma bronca do chefe:

— Eles não se identificaram na entrada. A moça da recepção disse que estranhamente "não sentiu vontade" de pedir seus documentos.

— Entraram num motel sem ao menos mostrar documentos? Que espelunca é essa, afinal? - reclamou o chefe, enquanto manuseava um símbolo feminino em metal todo ensanguentado, "de onde seria esse piercing?"

— Me desculpe policial. - interrompeu o dono do estabelecimento - Nem sempre os clientes fornecem identidade. Sabe, alguns são casados, ou casadas, e estão com outros parceiros, e preferem... sei lá, você entende, não?

— Privacidade, promiscuidade... - resmungou o chefe de polícia - Quanta imundície! Mas, e quanto a essa moça canibalizada? Ninguém aqui escutou enquanto ela gritava?

— A língua dela está mais bifurcada que a de uma cobra. Foi quase arrancada de sua boca. - os peritos estranharam que os piercings foram todos cuspidos nas paredes, mas apesar disso em nenhum deles se encontrou sinal de saliva.

"É como se o homem que fez isso não tivesse fluídos corporais. Não deixou rastro algum!"

— Mas pelo jeito, de sangue ele está encharcado! Alheio, claro! - terminou o chefe, assustado com sua própria conclusão. Será que...?

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Preguiça

[Do lat. pigritia.] S. f. 1. Aversão ao trabalho; negligência, indolência, malandrice. 2. Morosidade, lentidão, pachorra, moleza. - (escrito em 26/09/02)

Ele estava deitado no sofá, despreocupado e ainda meio sonolento. Lentamente estendeu os braços, como se estivesse empurrando algo invisível, e esticou juntamente os dedos dos pés, quase ao limite, e então tremeu e suspirou, quase um gozo... Quando terminou de se espreguiçar, como um gato gordo e malandro, percebeu que ela estava na cama.

A visão o deliciou. Ela estava lendo. No auge da beleza, costas nuas, os seios juvenis displicentemente largados por sobre uma revista qualquer, sua irmãzinha usava apenas uma calcinha branca, que teimava sumir por entre as nádegas. Ele começou a sussurrar:

— "Com seu lindo cabelo negro e olhos verdes-esmeralda, as pessoas apontam -Lá vai a irmã do Peter em desgraça- talvez você deva considerar essas palavras como uma piada, eu não me importo com alegações de incesto."

Era uma música do Type O Negative, que basicamente dizia "fique fora de meus sonhos", e que ele sempre gostou de cantarolar. Sua irmã já recebia aquilo como um código, somente entre eles. Virou-se, encarando o irmão no sofá, e reparou no quanto ele estava excitado.

— Como pode já acordar assim, duro? Foi visitado por alguma súcuba enquanto dormia?

— Que demônia que nada, menina. A maioria dos homens saudáveis acordam com ereção por sonhos eróticos que ocorrem normalmente nos últimos noventa minutos do sono.

— Ah, por falar em ereção - ela disfarçou, percebendo as más intenções dele - escute isso: "Elegância. Ereção tem hora e lugar. Ao beijar uma mulher de boca fechada, o homem deve ser cortês e se conter. Mas quando o beijo passar à boca livre, ou seja, estilo francês de beijo de língua, ele não só pode como deve se mostrar ereto."

— Caralho, que monte de abobrinha, onde está lendo isso?

"Aqui". Ela mostrou a revista em que estava debruçada por cima, mas ele só olhou para os mamilos duros de sua irmã. Era sempre uma delícia passarem a tarde toda sozinhos.

— "É do direito dele ficar com aquilo duro se estiver alisando os seios e o bumbum dela. E quando ela estiver alisando a genitália dele, esta, então, deve manifestar-se nervosamente deliciada."

— Mas que pé no saco esse texto, menina. Isso é coisa de socialite, não é? Aqueles livros de "boas maneiras" imbecis, não?

— Sim, mas olha a conclusão, que interessante: "Ter uma ereção depois do jantar, no carro, ou no banco traseiro do táxi é considerado de bom-tom. E o homem elegante sempre tem ereção durante o sexo." - ela terminou, sorrindo.

— Eu não teria uma afirmação mais idiota que essa... - ele disse, indo deitar-se, também nu, ao lado dela na cama. Sempre teve tesão por sua irmã. Continuava de pau duro.

Ela sentiu-se meio desconfortável, mas adorava trepar com ele. De vez em quando pintava um lance meio existencialista, mas logo ela desencanava e curtia. Tinha sido abençoada com um irmão lindo e gostoso, então por que não aproveitar?

— Sei que você quer. Pega, segura ele. Sabe que adoro sua mãozinha safada.

Ela segurou e começou uma gostosa masturbada. Sentir o membro de seu irmão pulsando nas mãos, numa tarde que prometia ser apenas preguiçosa, era tudo o que ela queria agora.

— Gosto quando você beija, chupa e lambe... e depois engole tudo! Como pode uma mocinha ser tão safada? Imagino quando passar dos dezoito anos. Sabe que não gosto de imaginar outro cara te comendo?

Ela soltou um gemido de puro êxtase ouvindo aquilo, e engoliu, como ele gostava. Então ergueu-se, pegando a revista com uma mão, enquanto o acariciava com a outra.

— Li isso aqui também, ouça: "Incesto entre irmãos é tido pelos especialistas como aceitável, se o intuito é dar mais cor ao seu diário secreto, ou sua biografia não-autorizada. Mas, se for praticado pelo mero prazer físico, será apenas uma saída fácil, covarde, mera conveniência, e refletirá a pobreza da vida de ambos..."

— Cala a boca e chupa.

Quando ela obedeceu, e continuou as chupadinhas, ele se esticou na cama, e deu uma segunda espreguiçada que fez seu pau aumentar dentro da boca úmida, então se encostou nos travesseiros, feliz e excitado.

De fundo, um rádio alto despejava Megadeth no ambiente, que berrava: "Eu sei o que eles faziam com você, mas não tente fazer isso comigo também. Deixe-me te mostrar como te amo, é nosso segredo, seu e meu. Mas mantenha entre família. Um segredo de família."

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Orgulho

[Do frâncico * urgEli , 'excelência', pelo cat. orgull e poss., pelo esp. orgullo.] S. m. 1. Sentimento de dignidade pessoal; brio, altivez. 2. Conceito elevado ou exagerado de si próprio; amor-próprio demasiado; soberba. - (escrito em 28/09/02)

Sim, era um milagre. Além do entardecer, três amigos de infância se reencontraram. A última vez que se viram foi no fim da adolescência, e agora, mais de dez anos depois. Resolveram entrar em algum bar para beber, quando apareceram as diferenças que chegam com a idade: um era satanista, o outro era padre agora, e o terceiro... bem, o terceiro tinha uma visão particular do mundo.

Marco ainda usava a camiseta desbotada do King Diamond, onde se lia "Satan´s Fall", o que desagradava Solomon, que se sentou do outro lado da mesa. Ao meio sentou-se o terceiro. Parecia Jesus Cristo, com os longos cabelos desgrenhados e a barba há muito sem fazer.

— Então, você ainda continua na "Highway to Hell", Marco?

— Sim, e quem não está, padreco? - respondeu Marco, com a costumeira cara de poucos amigos - Basta estarmos vivos nesse mundo, para sentirmos o inferno...

Solomon gostava de seus amigos. Bons tempos, antes das diferentes filosofias os separarem. O terceiro era o único que não tinha escolhido nenhum caminho. Dizia-se agnóstico, mas o padre achava aquilo uma desculpa covarde para não assumir uma religião.

— Lembram-se de quando começamos a ouvir metal juntos? - recomeçou Marco, trazendo as lembranças à luz da mesinha do bar.

— Claro. Iron Maiden sempre é a primeira banda de todo mundo. Foi com "The number of the beast", não? - continuou Solomon, pareceu meio incomodado com a recordação.

— 666! - gritou Marco, rindo.

O terceiro estava quieto, bebendo sua cerveja. De repente soltou:

— Vocês embram quando me envolvi com aquela gostosinha da igreja, e logo depois todos vocês namoravam moçoilas católicas como ela também?

Riram juntos, mas o padre depois continuou:

— A minha moçoila, sem saber despertou minha vocação religiosa.

— Que mais ela te despertava, Solomon? Confessa! - gargalhou Marco. - Eu só pensava em transar com a minha, e como ela recusava, isso me dava mais vontade ainda!

— E você acabou comendo ou não, Marco? - perguntou o do meio.

— Pior que não! Hahahahaha! Mas foram horas de bolinações que me lembro até hoje!

— Pelo jeito só eu absorvi o que as ditas "moçoilas católicas" tinham a compartilhar, né? Ela me contou certa vez a lenda dos sete pecados capitais, querem ouvir? - perguntou Solomon.

— Eu gosto de lendas. Conte. Aliás, por que chamamos de "pecados capitais"?

— O Sr. Agnóstico não sabe? - ironizou Marco. - Até eu sei! Chamamos os pecados capitais dessa forma por originarem outros pecados. E no século IV, são Gregório Magno e são João Cassiano definiram que são sete: orgulho, ganância, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça. Correto padreco?

Solomon acenou afirmando, até meio surpreso com a precisão secular da resposta. Então começou a contar sua versão da lenda:

"Certo dia um homem chegou do trabalho, e encontrou sete pessoas dentro de sua casa. Ficou assustado, quando um homem muito musculoso disse:

— Não tema, somos tão velhos quanto o mundo, e estamos em todos os lugares. Eu sou a PREGUIÇA, e estou aqui com meus colegas para que você escolha um de nós para sair definitivamente de sua vida...

— Mas como você é a preguiça? Tem corpo de quem malha diariamente!

— Sou forte como um touro, sim. E peso nos ombros dos fracos que sucumbem a esse pecado.

E então uma velha horripilante, encurvada e de aspecto enrugado, lhe diz:

— E eu sou a LUXÚRIA. Sou capaz de trazer doenças e morte, perverter crianças e destruir a sagrada família. - e antes que o homem argumentasse que ela era feia, se transformou numa bela mulher, dizendo: "Não há feiura para a luxúria".

E um mendigo fedido que estava no canto da sala diz:

-Eu sou a GANÂNCIA. Muitos matam e abandonam famílias por mim. Tenho essa aparência pois não importa o quanto rico eu seja, sempre vou cobiçar e querer mais e mais.

— E quem seria você? - o dono da casa perguntou a uma mulher, linda, exuberante, que estava sentada no sofá, um corpo escultural.

— Eu sou a GULA. Ao contrário do que muitos pensam, não sou gorda e feia, pois assim seria fácil resistir a esse pecado. Quem tem a mim nem percebe. - ela respondeu.

Um velho estava sentado na poltrona, aspecto calmo, e disse, com voz serena:

— Eu sou a IRA, ou cólera, ou raiva. Tenho muitos nomes, e sou o mais comum entre as pessoas. Posso ser o avô da humanidade, que por mim matam com crueldade e destroem cidades e civilizações. Mesmo quando não apareço, posso estar guardado dentro de você, lhe causando úlceras, câncer e outras doenças.

Nisso apareceu uma princesa, a ostentação em pessoa. Vestia roupas finas, e usava uma coroa, braceletes e anéis de puro ouro.

— E eu sou a INVEJA. Não tenho ainda tudo o que desejo. Existo entre os ricos e os pobres igualmente. A inveja surge pelo que não se tem, e pelo que é dos outros. Nesse aspecto sou parecida com a cobiça... E sou uma das madrinhas da tristeza.

Ela foi interrompida por um lindo menino, sorridente e brincalhão, que perguntou ao morador:

— Quer brincar comigo? Eu sou o ORGULHO. Não se engane, não sou puro e inocente como pareço, sou tão destrutível quanto os outros pecados.

E então, vendo que precisaria mesmo escolher entre um dos sete, o morador pediu tempo para pensar... Quando voltou, tinha escolhido o ORGULHO para sair de sua vida. A criança olhou raivosamente para ele, e foi embora. Para a surpresa do homem, todos os outros também saíram com o menino.

— Esperem! Eu... acertei?

O menino então se voltou, e respondeu, com uma voz que não era de criança:

— Sim, fez a escolha certa. Tirou o orgulho de sua vida, e onde não há Orgulho não há preguiça, pois os preguiçosos são aqueles que se orgulham de nada fazer para viver, não percebendo que, na verdade, vegetam. Também não há Luxúria, pois os luxuriosos têm orgulho de seus corpos e julgam-se merecedores, assim como não há Cobiça, pois os cobiçosos têm orgulho das migalhas que possuem, juntando tesouros na terra e invejando a felicidade alheia, não percebendo que são instrumentos do dinheiro.

O morador olhava atônito, e o menino continuou:

— Onde não há orgulho, não há Gula, pois os gulosos se orgulham de sua condição e jamais admitem que o são, arrumam desculpas para justificar a gula, não percebendo que são marionetes dos desejos. Também não há Ira, pois os irados têm facilidade com aqueles que, segundo o próprio julgamento, não são perfeitos, não percebendo que sua ira é resultado de suas próprias imperfeições. E por fim, não há inveja, pois os invejosos sentem o orgulho ferido ao verem o sucesso alheio, seja ele qual for, precisam superar constantemente os demais nas conquistas, não percebendo que, na verdade, são ferramentas da insegurança.

Então saíram todos sem olhar para trás."

— Hahahahaha! Aquele "esperem, eu acertei", foi você quem colocou na lenda, né Solomon? - sorriu o do meio e o padre concordou, perguntando:

— Oras, você nunca ouviu falar de licença poética?

— Eu escolheria sim o menino, sabe? Mas não por sabedoria, apenas por um motivo louco que só minha mente saberia explicar, mas no fim... Eu escolheria o menino!

— Querem minha opinião? - disse Marco, e antes de qualquer resposta, soltou:

— O que são os tais pecados capitais, além de atos que fazemos para garantir nossa satisfação física e mental? Desculpem, mas, todos eles são manifestações de instintos. E o homem É UM ANIMAL INSTINTIVO, certo padre?

Solomon tossiu, e engasgou com a água que bebia. O terceiro apenas ficou quieto, e seus olhos brilharam com a curiosidade típica de geminiano. "Continue Marco."

— Ganância, gula e preguiça são a manifestação do instinto mais básico, a autopreservação. E luxúria? Seria também um instinto, a procriação. E para que a gula e a preguiça não acabem esteticamente conosco, o orgulho e a vaidade dão uma consertada nas coisas, percebem?

Após essa declaração de Marco, os três caíram num silêncio profundo... Sim senhor, aquela seria uma noite e tanto!

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Inveja

[Do lat. invidia.] S. f. 1. Desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. 2. Desejo violento de possuir o bem alheio. - (escrito em 23/09/02)

O nome daquela beleza de olhos verdes era Millie. Já ele não se apresentou, apenas invadiu a casa dela pouco depois das 23 horas. Tinha a força de muitos homens e a amarrou indefesa numa cadeira. Enquanto fazia isso, ela murmurou:

— Eu sei o que você é. Eu te chamei por toda minha vida. Você... você é um vampiro, não?

Millie era lindíssima e bem sucedida profissionalmente; cercada de luxo, amizades fúteis e dinheiro. Mas também era enfadonha demais.

— Ok, eu sou um vampiro, como se você não soubesse. - um vampiro sádico, ranzinza e cansado da imortalidade, como ela descobriria nos instantes seguintes.

— Me transforme! Por favor, me transforme! Eu lhe imploro: ME TRANSFORME!

Ele limitou-se a gargalhar bem alto, ridicularizando o pedido dela. Armou-se com toda sua ironia e começou a falar, como se precisasse muito desabafar:

— Sabe por que faço isso com você, putinha? Simplesmente por que eu te invejo. Invejo sua humanidade. Invejo todas as coisas simples que você não dá atenção, mas que se tornaram impossíveis para mim! Se apaixonar e poder passear de mãos dadas ao Sol, poder degustar todos os sabores do mundo, o simples ato de poder cortar o cabelo, as unhas, enfim. Essas coisas que você pode fazer e que deveria valorizar!

— Não, eu que invejo você, meu senhor! Daria tudo isso em troca dos poderes da noite que você tem. - os olhos verdes brilhavam.

Então ele desceu as próprias calças, assustando Millie. Se aproximou, parando muito próximo ao rosto dela. Segurou o membro viril com a mão direita, lhe mostrando o quanto estava duro.

— Ah, sim. Eu abuso sexualmente de minhas vítimas. Me faz sentir como nos dias em que eu ainda era humano. Estranho, não? Eu me sinto mais humano fazendo as piores coisas que um homem normal seria capaz. Será por isso que humanos querem tanto virar vampiros, pela mesma coisa, fazer o que de pior fazemos? Ah, dane-se, não sou nenhum filósofo!

Ele claramente queria humilhar Millie. Batia o membro na cara dela, e a mulher virava o rosto para o lado, fechando os olhos, querendo não ver aquilo. Apesar de ser um membro perfeitamente normal, não tinha lubrificação alguma, não pulsava e a textura era diferente. De vez em quando ele depositava o saco arroxeado nos lábios dela, e a mulher sentia na boca que a carne era fria e até mesmo fedia um pouco. Parecia embolorada. Mesmo assim ela - que sempre gostou de sexo oral em suas trepadas - se entregou aos caprichos do vampiro, esperando que ele lhe concedesse a dádiva depois da tortura.

— Fala a verdade. Você gosta de levar uma surra de pau duro nesse rostinho safado. Sei disso. E também já percebi o quanto você está excitada. Involuntariamente ou não, mas está. Os bicos de seus seios estão bem aparentes sob a camisa. Não seja por isso.

O vampiro rasgou a camisa dela com suas unhas que mais lembravam garras. Ela não usava sutiã à noite, então seus seios livres saltaram, e entre eles...

— Um crucifixo? Pense, pense com todas as suas forças em Deus! Se você tiver fé o suficiente, quem sabe eu não vá embora? Mas, nos dias de hoje, eu pegaria esse crucifixo de sua mão enquanto você reza, e faria sabe o quê? Enfiaria com toda força na sua bunda grande, redonda e macia!

Millie não podia nem mesmo responder. Ele tinha penetrado sua boca e o gosto amargo daquilo incomodava sua língua. Engasgou de repente, só de pensar no que seria.

— Certa vez, há muito tempo, ataquei uma religiosa. Ela era muito devota. Ela seguia muitos dogmas, tinha longos cabelos que dizia não poder cortar, e tinha também as pernas peludas quase como um homem. Mas, por baixo da calcinha dela, eu achei a coisinha mais rosada e depiladinha que já vi! E cheirava a sêmen. O que significava aquilo?

De cabeça baixa, a mulher respondeu, chorando:

— Não me machuque. Por que está aqui então, se não é para me transformar numa vampira? Eu não te convidei pra minha casa!

— Convite? Que lenda ridícula! Mesmo que eu precisasse de um mero convite para adentrar seu lar, você o faria sem ao menos perceber. E hoje em dia, cá entre nós, quem é que precisa de convite para entrar na casa, ou mesmo para se deitar na cama alheia? Acredita mesmo que uma criatura sobrenatural se dobraria a uma limitação dessas?

A mulher não respondeu. Fez uma cara de interrogação.

— Ah, me perdoe. Fico aqui contando coisas sobre nossa raça. Aliás, tenho reflexo sim em espelhos, viu? Espelhos, cansei de conversar com eles. Mesmo um amaldiçoado às vezes precisa desabafar. Somos monstros, para que você saiba. Não convide, não se envolva, não admire, não faça acordos com monstros.

O vampiro ameaçou novamente forçá-la a chupar, e Millie virou o rosto, com nojo.

— Um animal fedorento! Isso é o que você é! Um animal podre! - gritou.

— Lobos, corujas, morcegos, ratos. Não, confesso que apenas uma vez tentei por uma estupidez momentânea me transformar em animal. Um lobo, cinza e sarnento. E doeu pra caralho! Por que tentar de novo? Só em caso de extrema necessidade. Agora, ratos? Névoa? Isso é coisa de cinema!

Segurou os cabelos dela, se esfregando lentamente no rosto de Millie. Forçava a entrada pela boca. Delineava os lábios dela, como se fosse um batom profano.

— Quer saber? Em toda a minha pós-vida, eu nunca encontrei outro como eu. Aliás, eu demorei a perceber que era um vampiro. Quer dizer que você sempre sonhou em ser uma vampira? Acha mesmo que é o dom das trevas? Não tenho um dom para te passar. É uma maldição. Aprenda: não somos belos, somos amaldiçoados!

Quando Millie engasgou de novo, ele sorriu, cínico:

— Sinta o mau cheiro que vem de dentro de mim. Animal podre, você disse? Sou um cadáver que anda, que se recusa a morrer. Às vezes dói, sabia? E demorei pra perceber que a dor só passava após beber sangue.

Com a boca totalmente preenchida, apenas o olhar de Millie falava. Ela arregalou os olhos de esmeralda, com medo da simples pronúncia... "Sangue".

— Ah, o sangue. Foi bom falarmos nisso. Eu estou aqui pelo seu. - dizendo isso, parou de forçar seu membro na boca de Millie e abaixou-se, rasgando habilmente os dois laços que prendiam a calcinha dela. Agora, nua, ela sentia-se ainda mais indefesa. Estava arrepiada, mas não era de frio nem de excitação. Era puro medo.

— Que linda visão. - ele começou, como se a enquadrasse numa foto - Seios na medida certa, curvas cultivadas em academia. Que desperdício você "terminar" assim! Mas vamos à aula de anatomia, minha querida? Você não está menstruada, o que é uma pena. Quando bebo o útero que descola das mulheres, me sinto quase que vivo. É um sangue desmorto que sai de seu organismo, mas não se preocupe, não vou abrir seus lábios vaginais e sugá-la, relaxe. Se bem que eu acho que você adoraria a sensação. Todas elas adoram isso.

— Não me mate, por favor...

— Mudou de ideia, vadia? E aquele papo de ser transformada? Ser uma vampira é estar morta. É ficar morta. É viver morta! É continuar, sempre e sempre... Mas onde estávamos?

Seu olhar faiscou:

— O sangue, claro. Ser sugada pode ser agradável, sabia? É como descobrir zonas erógenas durante o sexo. Certas mulheres gostam, outras gostam mais, e algumas são viciadas em chupadas de vampiros. Mas ocasionalmente dói. Existem três pontos principais: Sua coxa, seu braço, e, claro, seu pescoço.

Ele afastou as pernas dela. Millie não sabia mais como se controlar e parar de tremer. Não conseguia nem articular palavras, com medo de enfurecê-lo ainda mais.

— Não me apegarei em detalhes, mas existem diferenças entre se beber de artérias e veias. Como se sente, sabendo que é meu prato principal? Que vou violentar você, me alimentar de seu corpo? Oh, droga, como sou dispersivo. Voltemos à aula: Aqui na sua virilha temos a artéria femoral - enquanto falava isso, afastava vagarosamente as pernas de Millie, aproximando a bocarra sedenta do sexo dela - Eu mordo aqui e o sangue jorra. - então pregou com força os dentes naquela coxa macia.

"O sabor de uma artéria é inebriante."

Millie sentiu dor e também uma sensação agradável de embotamento e até mesmo de prazer. Tinha medo de olhar para baixo, mas imaginava que ele estava a masturbando durante a mordida. Sua mente se confundiu, e a dor desapareceu por instantes. Ela até começou a gemer. O vampiro então soltou lentamente um dos braços dela. Lambeu como um gato a parte interna do cotovelo.

— Aqui onde você se picou semana passada com aquela sua amiga drogada idiota é um lugar tentador. O sangue não espirra aqui, ao contrário, pulsa suavemente, e geralmente eu me farto, me delicio.

A mulher sentia o esvaziamento de sua vida entre as pernas com a severa hemorragia causada pela primeira mordida. Ele subiu, despreocupado, lambendo toda a extensão do braço e por fim enterrou a unha no pulso dela. Ficou a beber, agarrado à ela, sugando como o pior viciado.

— E por fim minha deliciosa anfitriã: seu pescocinho. Coisa tão delicada e perfumada. A pele é sensível ao toque, imagine a um beijo? Basta uma mordidinha. Mas é foda que suja tudo! Sim, a pressão sanguínea aqui, na artéria carótida, é muito grande. Espirra longe. E te deixa com aquela cara de bobo que se sujou com o molho de ketchup!

Millie ouvia a voz do vampiro ao longe. Não estava mais consciente de verdade, depois de tanto sangue perdido naquele curto espaço de tempo.

— Por isso que eu prefiro me ater à jugular! A sua, por exemplo, é muito convidativa. Agora Millie, você foi minha última confidente. Sinta-se honrada. Não costumo contar a ninguém tudo o que você ouviu hoje.

Dizendo isso, o vampiro cravou os dentes no pescoço dela. A derradeira mordida.

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Ira

[Do lat. ira.] S. f. 1. Cólera, raiva, indignação. 2. Desejo de vingança. - (escrito em 07/09/02)

Stevens era da cidade grande. Quando chegou àquela cidadezinha, não gostou muito da vida à moda caipira. Já tinha mudado de ideia. Voltaria para sua cidade, depois de apenas três meses, pois a vida no interior era muito pacata.

Ou pelo menos era, até aquele anoitecer.

Ele se espremia na pequena janela do quarto, quando viu as tochas ao longe. Muitas. Ouviu também o burburinho das pessoas, conversas ríspidas, gritos indignados e muita raiva aparente. Mesmo à distância, era palpável o sentimento da estranha procissão.

Foi quando a viu. Ela passou na sua frente, correndo. Era loura, tinha grandes olhos azuis, chorosos, arregalados de medo. Vestia um apertado short jeans surrado, e uma camiseta branca. Percebeu o desespero no rosto dela.

— Me ajude!! Eles são loucos, e querem me matar!!! Por favor, me ajude!

Ele abriu instintivamente a porta, e viu que os camponeses estavam armados com paus e ancinhos. Lanças improvisadas, que eles balançavam ameaçadoramente. Estavam próximos dela, quando Stevens abriu a porta de seu casebre, para acolher a estranha menina. Sim, uma menina. Algo em torno dos dezessete. Olhando mais de perto, a inocência e a pouca idade estampada no rosto só perdiam para o medo.

— Não acolha essa bruxa, forasteiro! Ela é maligna! - gritou um velho, provavelmente o líder da procissão, lá fora.

Stevens ia argumentar, quando jogaram pedras na porta. "Ela já o colocou sobre influência do demo! Devem morrer os dois!!" - gritou alguém.

— O que eles querem de você? - perguntou, segurando o rosto angelical dela.

— Eu não sei. São ignorantes. Eles me acusam de bruxaria, e por isso querem me matar. Me ajude forasteiro!!!

— Bruxa? Ei, ei... que você anda fazendo de errado?

A menina não respondeu. Apenas soluçava mais, e mais, e tremia a cada pedrada que batia na porta do casebre de Stevens, o forasteiro antissocial do lugar.

— Queimaremos a bruxa, e o forasteiro também!! - quando o velho ordenou, todo mundo gritou junto, e Stevens percebeu que até o delegado estava ali.

O forasteiro tinha um revólver. E seis balas. Se atirasse para cima, dispersaria aqueles loucos. E amanhã iria embora daquela cidadezinha esquecida por Deus. Decidido, tirou a arma do armário, e carregou. A menina sentou-se num canto e segurava os cabelos. Ainda tremia, olhos arregalados, mas agora não olhava mais para a porta, e sim para o céu lá fora. A noite estava bem próxima, e ela tremia, como se o manto noturno trouxesse algo maligno...

Stevens abriu a porta, disposto a conversar. Mas a turba estava enfurecida. Gritavam contra ele, que escondia a arma nas costas. Levantou o braço, pedindo a palavra.

— Parem! O que essa linda criança fez de errado?? Qual o crime dela??

— Nossos assuntos nós mesmos resolvemos, almofadinha de merda! - gritou o velho. Estava exaltado, e com isso motivava também os outros homens. - Queremos a garota!! Ela é uma bruxa!! E queremos você fora de nossa cidade!!

Stevens ia começar a falar, quando acertaram uma pedrada bem no meio da testa dele. Cambaleou, confuso, com a força do golpe. Quando viu a turba avançar, não teve dúvidas: sacou enfim a arma, e atirou. A fúria tomou o lugar da razão, e ele abateu três homens com tiros. A multidão dispersou, e correu, medrosa. Stevens tinha três balas, caso ainda fosse preciso. Mas sinceramente achava que não. Os camponeses correram assustados com os tiros, e pelo jeito estavam desprevenidos contra armas de fogo.

Aí aconteceu o mais estranho da noite. O manto negro escondeu o entardecer, e Stevens voltou para dentro do casebre. Por um instante, lhe pareceu que os camponeses furiosos fugiram da própria noite, pois estavam em maior número e podiam matá-lo com facilidade. Deixou de pensar nisso quando viu a menina, sentada, no canto, de cabeça baixa, entre as próprias pernas. Os longos cabelos louros cobriam tudo, menos a beleza. O forasteiro imaginou logo uma bela noite de sexo, como agradecimento.

"Oras, eu salvei a vida dela da fúria irracional deles… E salvei minha pele também." - ele pensou, cinicamente, sorrindo.

Ainda com a arma em punho, se aproximou da garota, que não soluçava mais. Chiava. Coisa estranha, sobrenatural até. Ele se assustou, algo estava errado, mas mesmo assim não estava preparado para o que viria a seguir: ela se levantou, mas era algo maligno. Tinha longos caninos, e olhos amarelados, estranhos. Stevens demorou a reagir, quando escutou:

— Eu não tenho vida para ser salva...

Stevens recuou um passo.

— A fúria deles não é irracional. Mesmo esses matutos são sábios com as lendas... - ela continuou, e Stevens percebeu que tinha lido seu último pensamento.

— Ninguém irá te salvar da minha fome. Você não deveria ter me deixado adentrar sua casa, um dogma de minha raça... Agora você morre. - ela sentenciou.

O forasteiro segurou a súbita vontade de mijar nas calças que sentiu, e deu um tiro no meio da testa dela. Era mesmo um cara de muito sangue-frio.

Mas a garota apenas jogou a cabeça para trás, com o choque do tiro, recuperando-se rápido demais. Stevens riu nervosamente... "Morre, porra!" e atirou de novo, agora no meio dos generosos seios da criatura.

Quando ela continuou andando após os dois tiros, ele enfim entendeu os camponeses, e o medo deles do anoitecer. E também toda a Ira com que a seguiam durante o dia. Mas agora, sabia que já estava morto. Ergueu o revólver, olhando para a última bala do tambor.

— Tenho a noite toda para brincar com sua dor, por você ter atirado duas vezes. - disse a criatura, avançando lentamente.

Stevens então apontou a arma para a própria cabeça, rezando para dar tempo...

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Ganância

[Do esp. ganancia < esp. ganar, 'ganhar' (q. v.), + esp. -ancia (= -ância).] S. f. 1. Ambição de ganho. 2. V. ganho (2). 3. Ganho ilícito; usura. 4. P. ext. Ambição desmedida. [Cf. ganancia, do v. gananciar.] - (escrito em 17/09/02)

Década de 40, campo de deportação de Dachau, na Alemanha nazista.

Rascher era um médico da Deutsche Luftwaffe, a força aérea da Alemanha nazista, e com ele começou a primeira grande série de experiências humanas da história do III Reich de Adolf Hitler. Aliás, o "Mein Kampf", a bíblia do regime, afirmava que o objetivo era 'manter e favorecer o desenvolvimento de uma comunidade de seres que sejam da mesma espécie no físico e na moral': a casta superior indo-germânica, os chamados arianos; que edificariam o Império de Mil Anos idealizado por Hitler.

Pouca gente sabia, mas Rascher - que andava pelo campo com pilhas e mais pilhas de dossiês, resultado de suas experiências desumanas - fazia parte de uma sociedade secreta chamada Ahnenerbe. Fundada em 1933, essa sociedade (cujo nome significava Herança dos Ancestrais) pesquisou desde as propriedades da pedra filosofal, passando pelos mistérios de Atlântida e até mesmo o Santo Graal e os tesouros dos Cátaros.

Só que com o tempo a Ahnenerbe parou de se concentrar em magia, ocultismo, estudos de religiões e voltou-se para experimentos humanos. E Rascher guardava mais um segredo. Aquele gorducho capitão da reserva da Aeronáutica tinha em suas mãos um vampiro. Um deportado búlgaro, que tinha apenas uma narina - provavelmente uma deformação, uma cicatriz de guerra - e sua língua era afiadíssima. Ele foi trancafiado num block solitário, e o nazista tentou de várias maneiras vivissecar sem sucesso o dito vampiro.

Rascher quis primeiro descobrir os segredos do "blautsauger", mas a criatura matou quase todos os médicos e voluntários que se aproximaram dele. Depois - baseado no pouco da análise sanguínea que conseguiu fazer - tentou criar um substituto do Polygal, um medicamento que diminuía a hemorragia em um soldado por um período de seis horas. Sangrando menos, o soldado podia combater mais. O tal Polygal foi criado por Robert Feix, um judeu, o que era imperdoável para os nazistas. Foi nesse detalhe racial que Rascher enxergou a oportunidade de aprofundar seus estudos no "Obour" búlgaro.

Quando suas mortais experiências - sobre os efeitos da altitude nos pilotos e sua sequência, o risco da hipotermia quando os aviadores caíam nos mares gelados do Norte - falharam, seu prestígio de médico infalível começou a declinar. Só mantinha algum status ainda por conta de um de seus "milagres" na medicina: Karoline Diehl - Nini, como ele gostava de chamar sua esposa - era mãe pela terceira vez mesmo sendo uma senhora com mais de 50 anos. O casal vendia isso como propaganda nazista, mas o segredo sujo era simples: eles encomendavam a fertilidade de uma criada, a verdadeira mãe biológica das crianças. Seu superior, Heinrich Himmler, nem poderia imaginar uma coisa dessas, sob pena de alta traição ao partido.

Ciente do risco que corria de ir do céu ao inferno no regime de Hitler, Rascher quis então o inesperado: se tornar um vampiro. Assim sobreviveria a qualquer eventualidade, mesmo se o partido nacional-socialista perdesse a guerra, ele se ergueria sempre triunfante das cinzas!

Antes de se confrontar com o vampiro, achou prudente se aconselhar com um padre deportado, também nativo do leste europeu, mais precisamente polonês. Para Rascher, poloneses e búlgaros eram iguais. Esse padre, que era muito gordo quando chegou à Dachau, definhou depois das sucessivas experiências dos nazistas. Agora se encontrava tão esquelético que dava medo. Quando perguntando sobre as lendas dos sanguessugas, disse para Rascher encher uma pequena garrafa com o sangue da criatura. E assim foi feito, apesar de um dos médicos designados para a tarefa ter morrido nas mãos da besta.

Rascher entrou no block pela manhã. Estudara que essas criaturas moviam-se lentamente durante o dia. O lugar estava escuro, pois a luz do Sol certamente mataria a criatura. O alemão sentiu medo, mas encheu a voz de autoridade quando viu o vampiro deitado no catre:

— Se você fosse um prisioneiro político, talvez as coisas fossem mais complicadas. Mas para nós, você é "verde", um criminoso. Seu corpo me pertence, se eu assim quiser. Vou direto ao assunto: Eu quero o poder que você tem. É simples.

O vampiro, que parecia repousar, virou-se lentamente para o nazista, e esboçou um sorriso.

— Enfim, um dos graúdos. Quer morrer, entrando aqui dessa maneira, gorduchinho?

— Quero o poder que você tem. - Rascher repetiu a frase na mesma entonação de voz.

— Eu não tenho mais nada. Tive uma casa, mas sinceramente não me lembro mais dela. Tinha uma linda filha e uma adorável esposa. Mas tudo isso foi antes do ataque da 21ª Schtzstaffel Gebirgsdivision, que aniquilou de vez tudo o que eu já tinha perdido desde a praga do vampirismo.

Rascher lembrou de seus três filhos arranjados com senhora Nini Diehl. Se tudo, até mesmo o sagrado dom da vida, podia ser arranjado, então por que não podia ter também os poderes da noite? Respondeu ao comentário do búlgaro:

— A "Skanderberg", dos voluntários albaneses. Uma das mais admiráveis divisões da Waffen SS. Combateram de forma admirável os russos e os búlgaros.

— Ainda me lembro do maldito emblema, sabia? Aquela águia negra bicéfala da bandeira da Albânia. Era um símbolo de morte.

— Me diga como aconteceu? Como se tornou um... vampiro?

O obour limitou-se a sorrir. Não estava disposto a contar. Mas pediu um cigarro, claramente uma zombaria. Rascher manteve-se firme e não lhe deu nada. Ao invés disso, mudou para outra pergunta:

— Pode me transformar em um vampiro?

— Sim, mas para isso você precisaria comer da terra de meu sepulcro. - a criatura respondeu, rindo alto. Obviamente estava brincando. - O detalhe é que vocês, nazistas, destruíram meu sepulcro, percebe? - continuou, gargalhando descontroladamente.

Rascher crispou as mãos, irritado de verdade. Já pensando nas torturas que aplicaria naquele imbecil para lhe arrancar o dom das trevas, virou-se para deixar o block. Nesse instante o vampiro pulou em cima dele, vencendo de maneira inacreditável a grande distância que os separava. A língua pontiaguda saltou da boca, lambendo o terror do nazista. Por entre a saliva que escorria a criatura perguntou:

— Sabe rezar, homenzinho? Aconselho que reze, para ao menos chegar às portas do céu e pedir por sua alma assassina.

Rascher, um dos homens mais poderosos da hierarquia alemã, que colaborou pessoalmente com Mengele, o anjo da morte nazista, que ouvia os gritos e lamentos dos deportados de Dachau como se fosse uma sinfonia, enfim percebeu que tinha cometido um erro, e sentiu o verdadeiro medo. Soluçando, começou a rezar:

— Gegrüßet seist du, Maria, voll der Gnade...

O vampiro passou a língua molhada nos lábios dele.

— Der Herr ist mit dir. Du bist gebenedeit unter den Frauen - "Cadê aquela porra de padre? Onde estão todos?" - Und gebenedeit ist die Frucht deines Leibes, Jesus.

— Continue. - disse o vampiro, e Rascher percebeu que morreria ao término da oração. Maldita hora que desejou entrar naquele block escuro!

— Heilige Maria, Mutter Gottes, bitte für uns Sünder jetzt, und in der Stunde unseres Todes.

— Termine, nazista imundo. Termine logo para que eu comece! - sibilou o obour, enquanto arrancava a suástica que adornava o uniforme do oficial.

Rascher fechou os olhos, as lágrimas escorreram assim que pronunciou sua sentença: "Amen".

— Das ist fertig! - o vampiro anunciou o fim em bom alemão e então abriu obscenamente a bocarra, mordendo, estraçalhando a carne do homenzinho que sonhou em se tornar uma criatura das trevas.

Não restou muita coisa de Rascher para a investigação da Ahnenerbe. O padre foi interrogado, e declarou que pediu sangue do vampiro engarrafado para salvar o oficial da criatura, mas que também precisaria "guardar a alma" do vampiro, que ele chamava de Krvopijac, na mesma garrafa, e então atirá-la numa grande fogueira. Foi ridicularizado pelos membros da sociedade secreta, e morto logo depois na operação de queima de arquivos.

A Ahnenerbe encobriu os fatos, incinerando o block onde o vampiro estava. Lá dentro jogaram o cadáver do padre e também as anotações de Rascher. Para todos os efeitos, ele morreria mais tarde, no bunker de Dachau, em junho de 1945. As falsas maternidades de Nini Diehl também foram descobertas, e ela foi enforcada.


Comentários do autor

De acordo com o livro Sacred Origins of Profound Things ('Origens Sagradas de Coisas Profundas'), de Charles Panati, o teologista e monge grego Evagrius de Pontus (345 d.C. – 399 d.C.) teria escrito uma lista de oito crimes e 'paixões' humanas: gula, luxúria, avareza, melancolia, ira, acedia (preguiça espiritual), vaidade e orgulho – em ordem crescente de gravidade. Para Evagrius, os pecados ficavam piores à medida que se tornavam mais egocêntricos, com o orgulho como supra-sumo dessa fixação do ser humano em relação a ele mesmo.

No final do século VI d.C., o Papa Gregório reduziu a lista a sete itens, trocando 'vaidade' por 'orgulho', 'acedia' por 'melancolia' e adicionando 'inveja'. Para fazer seu próprio ranking, o pontífice colocou em ordem decrescente os pecados que mais ofendiam ao amor: orgulho, inveja, ira, melancolia, avareza, gula e luxúria.

Mais tarde, outros teólogos como São Tomás de Aquino analisaram novamente a gravidade dos pecados e fizeram mais uma lista. No século XVII, a Igreja substituiu 'melancolia' – um pecado vago demais – por 'preguiça'. Hoje os sete pecados capitais são gula, luxúria, preguiça, ira, inveja, avareza(ganância) e soberba(orgulho).


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