"Oh macio bálsamo de vossa calma meia-noite
On Whom The Moon Doth Shine - Theatre of Tragedy
Deixes tu que eu esteja abaixo
De qualquer coisa que desejaste
Cada um porta seus próprios desejos, eu digo
Porém o prazer que compartilhamos
Foi causado pelo malicioso sorriso com caninos"
#51
O senhor das bonecas - Parte 1
— Porra, eu tô BEM decepcionada com você! - esbravejou a moça de cabelo azul. Bateu o copo de cerveja pela metade no tampo da mesa com força, pra reforçar seu desapontamento com a amiga sentada a sua frente.
— Ah é? E desde quando você fica assim quando lhe digo que quero ter prazer? Achei que ia me apoiar e...
— Nem vem! Você tá falando em apanhar, em submissão, em, em... Droga, qual o nome dessa merda patriarcal mesmo?
— E qual o problema?
— Você quer apanhar de macho! Tá maluca?
— Não é de qualquer macho. É de um específico. Droga, nem deveria ter te contado. Vai ficar com essa cara me julgando agora?
— Homens naturalmente já maltratam as mulheres. E você ainda quer...? O quê? Vai, me diz.
— Eu que te pergunto agora: tá maluca? Acha mesmo que vou sair por aí falando para qualquer um que gosto de apanhar na cama? De obedecer? De ser usada?
— Não repete essas merdas em voz alta, cacete. Nem perto de mim.
— Ah! Logo você, que sempre achei mente aberta, liberal... Como ficou tão quadrada assim?
— Eu te admirava, sabe? Você manda em quantos machos diariamente? Quinze? Se mandar que limpem suas botas, eles têm que obedecer.
— Vinte e dois. A equipe cresceu. A empresa não tá dando conta de tantos contratos.
— Viu? Você é a chefona. Eu queria ter esse poder que você tem! Agora vem me dizer que...
— E se eu te disser que tenho mais prazer assim do que no sexo "normal", hein? Quando me submeto, me excito e gozo todas as vezes. Já numa trepada... porra, você é mulher, você sabe... nem sempre acontece.
Os cabelos azuis chacoalharam de leve, quase concordando. Já os olhos não, os olhos ainda eram puro julgamento. Ela fez um beicinho pra cima, soprando uma franja imaginária da testa. Pegou o copo, bebeu o restante e prosseguiu:
— Olha esse seu corpo, mulher. É uma escultura. É pra ser venerado, adorado. Eles que devem se ajoelhar pra você.
— Eu já tentei, acha que não? Mas dominar não me excita, obedecer sim. Entenda... é minha fantasia na cama. Não tem nada a ver com minha personalidade, profissão, convicções. São coisas distintas. Você não defende que a mulher tem que ser livre para fazer o que quiser, ser o que quiser, viver sua sexualidade? "Meu corpo, minhas regras"? Essa é a minha escolha, e me sinto plena nela.
— Eu não sei não. Essas merdas são armadilhas do patriarcado, homens submetendo mulheres, não vê como isso é problemático?
— Olha, eu já fui violada quando adolescente. Tudo por ser "bonita demais". Já fui assediada e já tive muito sexo ruim. Já num jogo de dominação, as coisas só acontecem por que eu permito. Eu agora conheço melhor meu corpo, meus desejos.
— Chegou a pedir isso pro seu ex?
— Pedi, mas ele não entendeu muito bem. Daí virou ex. Quando se fala disso com um homem qualquer, ele vem pra cima de você ou mole demais, ou exagera tentando reproduzir alguma bizarrice que assistiu em site pornográfico. Termina a foda com aquela meteção bate-estaca cansativa e ainda acha que liquidou com você.
— Eu não deixo o macho nem me pegar de quatro. Acho humilhante, degradante pra mulher.
— Sério? Tá parecendo minha tia mais velha falando. E como você faz pra...
— Eu cavalgo o filho da puta. Gozo mais fácil assim. Então, tem que ser assim. Mas me diz, e se essa coisa aí que você tá falando for um culto?
— É um culto. Que gira ao redor dele, o homem que a noite chama de "Senhor das Bonecas".
— E como você descobriu...?
— Uma das coisas boas de ser a "chefona" de uma empresa de segurança privada é que você tem contatos, entende? Você faz a segurança da festa de uma filha de celebridade, por exemplo, e... supondo que pega a debutante no banheiro cheirando cocaína, sabe? Esse tipo de situação chata que ninguém precisa saber. Discrição, silêncio... essas coisas custam favores. A tal celebridade conhece pessoas, que conhecem outras pessoas... e por aí vai.
— Já que está tão decidida... Fazer o quê? Boa sorte. Só me prometa que vai tomar todos os cuidados de sempre.
Um garçom se aproximou para trocar os copos e a garrafa vazia. Depois serviu as duas, que brindaram com a mesma frieza de países em guerra assinando um armistício.
Sistinas é uma cidade que, depois que escurece, você tem que saber em quais portas bater.
A senhorita segurança-da-festa-de-uma-filha-de-celebridade agora caminha apressada pelas ruas úmidas pós-chuva, coração quase explodindo fora do peito de tanta ansiedade. Demorou meses pesquisando e perguntando para as pessoas da noite sobre aquele lugar. Aliciou, subornou e seduziu gente, enganou e foi enganada, pagou por informações com dinheiro e com seu corpo quando necessário. Até que alguém a colocou na direção certa, lhe dando um número de telefone que só funcionava nas horas que antecediam a madrugada.
A ligação foi breve. Assim que disse "alô", a mulher do outro lado lhe perguntou:
— Você é uma doadora?
— Uma... o quê?
— Desculpe, só doadoras conseguem esse número. Se não for seu caso peço que desligue e para o seu bem esqueça que...
— Espere, só me explica. Doadora do quê, exatamente?
— Doadoras do sexo, do corpo.
— Então sou uma doadora. - ela sorriu nervosa e pediu: não desligue.
— Certo, te darei umas poucas instruções e não quero ter que repetir. Esteja aqui amanhã às 22 horas em ponto, sozinha obviamente. Venha apenas com um vestido preto curto e bota, também preta, acima do joelho, salto alto, comprada da seguinte loja...
Quando ouviu o nome da loja, um nome tão absurdamente genérico, ela interrompeu: "Acho que conheço essa loja, qualquer coisa pesquiso na net."
— Essa loja não aparece em pesquisas, querida. Eu te passarei o endereço. Lá, quando for atendida, você dirá que é uma boneca. Te darão opção de botas em couro, couro sintético ou látex. Pegue a que ficar melhor em você. E dentro da embalagem estará o endereço daqui.
Agora estava diante da porta que tanto desejou. Do "Senhor das bonecas", um nome apenas sussurrado em festas exclusivas por toda a cidade, quase uma lenda urbana lúbrica. Desde a primeira vez que ouviu falar sobre ele decidiu que queria ser parte daquilo, pertencer àquele homem.
Entrou num saguão branco mármore minimalista e super iluminado, que contrastava e muito com a escuridão manchada de amarelo das ruas lá fora. Agradeceu mentalmente por ainda não estar calçada com as botas, e sim tênis confortáveis que não ecoavam no piso. Quando se é mulher - infelizmente - não pode se arriscar atravessar sozinha uma cidade como Sistinas à noite de vestido curto e botas "provocantes".
O som ambiente era baixo, mas conseguia reconhecer que eram músicas clássicas do Sisters of Mercy remixadas com batidas dançantes. Uma única mulher permanecia sentada numa solitária mesa no lado oposto. Uma negra com cabelos volumosos e mechas claras nas pontas. Tinha um olhar enérgico e, por baixo da mesa e do vestido lascado, apareciam pernas esbeltas com panturrilhas grossas e brilhantes que terminavam num elegante par de sapatos. Soube que era a mesma do telefone.
— Olá. Meu nome é...
— Não será necessário, querida. – respondeu a mulher com um resmungo de impaciência, avaliando a visitante dos pés à cabeça - Na hora ELE vai decidir como te chamar. Qual será seu nome essa noite, apelido, ou objeto, ou... animal. E isso depende do humor dele.
— Oh, entendo.
— Já leu Sade?
— Sei quem é, mas não... eu deveria?
— É que o Senhor, bem... Ele segue o materialismo do Marquês libertino. Só contextualizando, em poucas palavras: para nós o homem é apenas um bicho que segue seus instintos; transar, comer, sobreviver, entende?
— Sim, sim.
— Sade acreditava que coisas como a monogamia e o amor idealizado foram inventados como mecanismos para controlar o ser humano. Não existe nada de divino entre homem e mulher, apenas tesão e instinto de sobrevivência. E que o homem só é verdadeiramente livre quando pratica sexo sujo, incomum, provocativo. Quando FODE, e não quando transa para fins reprodutivos ou para a manutenção da instituição do casamento.
— Não sabia disso, mas já concordo com Sade também.
— Ótimo, gosto quando vocês já chegam psicologicamente prontas nesse nível. Tem uma antessala para você se preparar. Vejo que não está no dress code combinado, mas tudo bem. Eu mesma peço pelo vestido, Ele nem quer roupas. Tire brincos, correntes, piercings, anéis, pulseiras, tornozeleiras, tudo que tiver pendurado no corpo. Deixe celular, carteira e demais objetos de valor no cofre que tem nessa antessala. Na presença dele você deve entrar nua, apenas com as botas. – ela observou, meticulosa, e essa coisa de recepcionar e preparar as bonecas pareceu ser a única função dela.
— Sim, botas de cano longo, salto alto. Pretas. Tinham umas vermelhas lindas lá, mas... - foi interrompida.
— Sempre pretas, 7/8... E você é alta, ótimo, Ele gosta de ver pernas. Espero que não tenha a usado ainda, exceto para experimentar. Ela precisa estar impecável, brilhante.
— Não usei não, fique tranquila quanto a isso.
— Oh, mas eu estou. Pergunto apenas para assegurar o bom andamento da coisa toda. Basicamente você entrará e se ajoelhará no meio da sala. Saberá onde, é o único ponto que terá luz. Ajoelhe-se com o quadril apoiado nos calcanhares, joelhos juntos e pouse suas mãos nas coxas, voltadas para cima. Ele virá até você e sua posição mudará um pouco. Ele vai comandar, mas já vou lhe adiantar como Ele gosta: coloque as mãos pra trás, em submissão, e segure os saltos das botas. Faça isso de maneira graciosa, sensual, por favor não fique torta nem desengonçada nessa posição. Ele odeia desleixo e vai te castigar.
— Entendido.
— Se está pensando em provocá-lo para ganhar um castigo do tipo que sonha em receber, lhe digo que não. Nessa fase da coisa não será castigo "agradável". Você será expulsa... ou pior. As mãos para trás é porque Ele não quer que toque as pernas, coxas, nem o pênis dele. Você só irá usar a boca; lábios e língua apenas ok? E saliva, pelo amor de Lilith, molha bastante aquele pau, sentirá como Ele fica feliz, mesmo de cara fechada.
— Tá, bem molhadinho. – assentiu, sem pensar na escolha das palavras. Na verdade, só o jeito severo daquela mulher (que devia ser a secretária dele nessa coisa de achar submissas) lhe ditando as regras já a estava deixando molhada.
— Olha, nada daquelas merdas de ficar cuspindo nem babando excessivamente. Aquilo é nojento. E gema, não fique ajoelhada como uma estátua mortuária de cemitério, faça barulho... barulhos gostosos, claro, úmidos, não escândalo e nem gemidos falsos. Ele sabe quem finge. Trabalhe com gosto, lamba aquela cabeça com amor e dedicação. Passe a língua nas laterais da cabeça, no freio, Ele adora. Suba e desça várias vezes, todo o comprimento dele, que não é grande nem pequeno. Sua única função quando adentrar aquela sala é fazê-lo gozar, então capriche!
— Sim, obrigada pelas dicas. Eu quero agradar a Ele.
— Não acabou ainda. Você é peituda, bom. Ele vai querer seus peitos, de uma maneira ou outra. Quando Ele gozar, não engula tudo. O leite dele é... diferente. Verá por si mesma. Finja surpresa, mas não pare de trabalhar, digamos que engula o primeiro jato e os restantes, que podem ser de três a cinco, você deixa respingar no rosto e peitos. Se recline um pouco para trás, como se estivesse tomando banho sem querer molhar o cabelo, sabe? Ofereça seu corpo a Ele, mas sem deixar de segurar os saltos.
— Perfeito, reclinar...
— Trate de lembrar direitinho de tudo! Seguindo à risca você irá agradá-lo bastante. E se Ele gostar do seu desempenho, você estará dentro, será uma das bonecas dele.
— Quantas são?
— Que grosseria. - a "secretária" advertiu, com um olhar grave na direção dela, para se fazer entendida - Jamais pergunte isso de novo. Nem a mim, nem a ninguém.
A candidata, subitamente perdida e sem graça, mirou o chão. Deu-se aquele segundo de silêncio desconfortável entre as duas, até que a outra prosseguiu:
- Ah, uma última coisa: depois que Ele gozar e inspecionar visualmente como te deixou, você deve limpar o membro dele. Inteiro, dê um trato de deixar a cabeçorra brilhando, entendido? Seja atenta, antes que escorra até o saco dele, pois aí terá que ser criativa e lamber os pelos da região até não sobrar nada além da umidade da sua saliva. Mas não corra para essa limpeza tão depressa, Ele vai gostar de admirar seu belo corpo melado por alguns instantes.
— Algo mais?
— Depois, quando for a hora, Ele pedirá que feche os olhos e a boca. Confie. Ele vai mijar no seu rosto uma urina morna que quase nunca tem cheiro. Relaxe, mantendo sua posição e as mãos para trás. Será seu batismo profano. O final do ritual não posso contar, mas só acontecerá se Ele te adotar.
— Já estou ansiosa para desempenhar. – estava tão empolgada que não passou pela sua cabeça perguntar o que aconteceria caso não fosse aceita - Onde me preparo?
A secretária sorriu de maneira cínica e lasciva, apontando para a porta do lado oposto do saguão, para onde a candidata se dirigiu, controlando o anseio de apressar o passo e até mesmo correr para ser consumida logo e acalmar as batidas frenéticas de seu coração. Se tivesse olhado para trás, veria que a negra afastava as pernas por trás da mesa, subindo o vestido. Ao seu lado tinha um grande monitor dividido em três câmeras de segurança. A primeira filmava o próprio saguão, a segunda mostrava a antessala.
E a terceira câmera mostrava um ambiente tão escuro quanto o inferno, tanto que parecia desligada. Mas não estava. Era o destino da candidata.
Após tirar suas poucas joias, ela deixou a calcinha úmida escorregar por suas pernas até o chão. A tal antessala era ampla, mas impessoal, no mesmo estilo minimalista do saguão. Apenas o cofre e um banquinho combinando com os cabideiros dos cantos do ambiente, onde ela pendurou seu vestido e calcinha. Deixou os tênis ali no canto também. Checou uma última vez o celular, desligou e o colocou com seus penduricalhos no cofre. Reparou nos dois grandes quadros que dominavam as paredes; o da esquerda retratava o rosto de um cão de raça fofa com olhar dócil, boca semi aberta de felicidade e a legenda "good boy". O quadro da esquerda era em preto e branco, de uma mocinha angelical, olhando desejosa para cima com a língua para fora, acima da legenda "good girl".
Pensou no quanto sua amiga de cabelo azul odiaria aquele quadro.
Calçou as botas, reluzentes, e um arrepio de tesão subiu por suas pernas com o zíper. O calor de seu sexo nu em contato com o forro frio do banquinho e a ideia de se entregar a um estranho fez com que se umedecesse de novo.
"Sua única função quando adentrar aquela sala é fazê-lo gozar, então capriche!" - pensando nas palavras da secretária do Senhor das Bonecas, ela pisou confiante na direção da porta que a levaria até ele e girou a maçaneta com o coração na boca.
Essa história CONTINUA imediatamente em Seu sangue será meu vinho e depois em O Senhor das Bonecas - Parte 2.
Comentários do autor
"O senhor das bonecas" foi escrito em 17.11.17.